segunda-feira, julho 07, 2008

Lições práticas de Direito Penal

Chaves. Ao Mestre, com carinho

Quanto mais nos aprofundamos no seu estudo, mais conseguimos constatar o quanto o nosso Direito Penal não atende à finalidade do bem maior, a paz social. O Ilícito serve, quando muito de matéria para infidáveis estudos, sem aplicação prática. Além de estudos, casos conhecidos por várias fontes nos levam a crer nisso.
Mais ainda quanto temos uma experiência pessoal. Vou relatar aqui uma situação por que passei, recentemente. Farei isso detalhadamente, pois o leitor entenderá que, nesse relato de um único caso, quanto mais detalhes, mais ilícitos encontraremos. Dentre outras sensações, menos racionais e mais intuitivas. Vamos ao ocorrido, com a certeza de que você não acreditará nele.

Certa noite, retornava eu para a minha residência, andando calmamente, quando um carro parou ao meu lado. A motorista, com uniforme de motorista, pediu uma informação. Ao parar para iniciar a explicação de como chegar àquele endereço, desceram do carro, era uma Mercedes SLX, conversível, quatro garotas. Começaram a conversar comigo, todas de uma só vez e foram me conduzindo para dentro do carro, com a explicação de que eu as levaria até o tal endereço.
Repentinamente me apercebi da situação. Estava sendo seqüestrado! Aquilo a que estavam me submetendo era uma coação moral e irresistível. E de uma maneira não-usual conforme nos quer fazer aceitar o nosso Direito Penal, de que os marginais são todos pobres, negros ou as duas coisas. Não. Eram todas moças com roupas caras e, sendo jovens, todas roupas muito justas e curtíssimas. Além do mais, pelo exíguo das roupas, notava-se um bronzeado natural, coisa de freqüentadoras de piscinas e praias. E isso não é coisa de pobres, que se saiba. Mesmo o carro, que poderia ser roubado, não o era, como fiquei depois sabendo. Encontraria lá outros e até melhores. Não eram também garotas esquálidas e feias. Pelo contrário, notava-se uma exuberante saúde, decorrente de uma alimentação saudável e balanceada.
Mesmo com tudo isso estavam me seqüestrando! Como se vê nos filmes e nos noticiários, não me colocaram no porta-malas. Fui colocado no banco detrás, entre elas. Nem me colocaram capuz também. Elas apenas se amontoaram em cima de mim buscando me distrair para que eu não reconhecesse o caminho. Abaixavam a minha cabeça, abraçavam-me todas juntas, deitaram-me no banco, pulavam todas em cima de mim, prendiam minhas mãos entre as suas pernas imobilizando-me completamente. Faziam tudo isso muito alegremente, nada de ordens secas ou amedrontadoras. Por certo, um novo know-how na arte do ilícito!

Enfim, chegamos. Desconhecia o local, mas pude ver, depois passaria lá por vários dias, que era uma casa muito grande, rica e bonita. Mais uma vez falha a descrição típica que fazem de um cativeiro. Geralmente o descrevem como um cubículo improvisado onde o seqüestrado fica ali, com os olhos vendados e trancafiado. Não. A casa, uma mansão na verdade, rodeada por amplos jardins, piscina, quadras de tênis e poli-esportiva. Dentro da casa várias suítes, todas com a sua sauna e jacuzzi para meia dúzia de pessoas. As garotas, de tão auto-confiantes, nem se preocuparam em me imobilizar de alguma forma, algemas, cordas, nada. Elas não se preocupavam com a possibilidade remota de uma minha tentativa de fuga.

Depois de chegarmos, todas beberam e me ofereceram whisky 12 anos, importados. Elas me prometeram um pequeno lanche, que chegaria logo depois. Lagosta e vinho branco. Francês, claro. Na realidade, conforme toda a doutrina que li fazia com que eu me convencesse de que aquilo era cárcere privado, muito embora eu não tenha em nenhum momento tentado escapar dali. Como eu poderia escapar daquela local, daquela forma? Mas elas não usaram de violência física comigo não. O pior ainda estava por vir.

Após o jantar, uma após uma abusaram de mim, sexualmente falando. Senti-me violentado. Quando eu pensava que aquela seria a última, chegavam mais três ou quatro garotas. E todas elas também queriam abusar de mim. Quando pensava que o pior tinha passado, chegavam algumas mais, que se juntavam comigo, duas, três, ao mesmo tempo, obrigando-me a satisfazer a todas elas. Coisa de taras, típicas de mentes distorcidas, um verdadeiro horror.
Passei a entender como se sentem as pessoas vítimas de abuso, que se recusam inclusive a nem procurar a Polícia, pelo vexame de ter que se expor a relatar todo o ocorrido. Eu aqui estou descrevendo tudo minuciosamente com o espírito científico-jurídico, para que o leitor possa embasar o seu raciocínio de quantos podem ocorrer em apenas um, aparentemente um, ilícito penal. E toda essa situação não aconteceu normalmente, apenas na cama, como podem pensar. Obrigaram-me, fui compungido a agradá-las na piscina, na sauna, na jacuzzi, na cozinha, na lavanderia. Não sobrou cômodo da casa que escapasse à fúria delas de me torturar implacavelmente. Sim, juridicamente fui torturado ali. Escoriações localizadas, hematomas por toda a parte do corpo. Lesões corporais, embora não graves. Não matam ninguém. Mas são lesões, juridicamente falando.

Assim transcorreram vários dias. Quando não estava na piscina, tomando Sol ou obrigado a fazer sexo multiplamente, estava sendo alimentado. Camarão, caviar, lagosta, e tudo o mais eu era obrigado a comer. Nem tentei recusar nada daquilo. Submeti-me docilmente. Disso não posso reclamar: não me deixaram passar fome nem sede. Certo está que alguns vinhos não eram franceses, mas não chegou a incomodar não. Para que eu não modificasse a minha compleição física, sauna diariamente, mais de uma vez por dia. Sempre acompanhado por pelo menos três delas para evitar que eu tentasse fugir daquele cativeiro infernal. E, sadicamente como já disse, obrigando-me ao sexo com todas elas, de todas as maneiras.
Eu, sempre com o espírito imbuído da mais pura hermenêutica jurídica, ficava buscando fundamentação para tudo aquilo. Se era um seqüestro, porque não se interessavam em saber endereços ou telefones para fazer contatos? Qual seria então o valor do resgate, para aquelas meninas? Qual seria, ó Deus, o meu fim? Seria o Resgate pura enganação ?
Existem teorias em Psicologia que afirmam que distorções comportamentais têm origem numa infância mal resolvida. E que esses conflitos geram pessoas insaciáveis em seu desejo de suprir aqueles conflitos antigos com ações presentes. Mas não era o que eu observava no comportamento daquelas minhas vorazes seqüestradoras. É certo que me submetiam ao mais cruel suplício de um abuso sexual contínuo. Mas não era algo que podemos chamar de patológico. Afinal, uma garota sadia, jovem e normal querer sexo por cinco a seis vezes por dia é algo perfeitamente esperado e normal. Mesmo que elas sejam incontáveis.

Dentro do meu espírito de pesquisador, quando me sobrava algum tempo, ficava imaginando como é que eu poderia fazer uma queixa-crime contra aquelas garotas. Eu não sabia onde estava, sabia apenas que não era em um muquifo qualquer na periferia. Não sabia quem, e nem quantas, eram aquelas que estavam me mantendo em cárcere privado, em regime de escravidão sexual. Se era um sequestro, não havia qualquer pedido de resgate ou coisa que o valha. Nem era também um sequestro-relâmpago, pelo transcorrer dos dias, muito embora eu tenha esta eletrizado por todo tempo. Ou seja, uma situação totalmente atípica. Não sendo tipificado, deixaria então o Direito Penal de aplicar qualquer pena àquelas incontáveis garotas só porque nenhuma delas contava mais que os esperados vinte-e-um anos? Estariam elas se aproveitando do fato de serem inimputáveis, apesar de todo aquele comportamento, e de todo suposto mal que me estavam causando? Eu, vítima indefesa de tudo aquilo?

Diante da minha lamentável e terrível situação, à mercê daquelas criminosas todas, acabei por me insurgir contra todo o Sistema Jurídico, todo o Direito. Se o Estado chama para si todo o direito de punir, mas cria toda uma legislação que é burlada por criminosas como aquelas, só porque elas eram todas jovens, lindas, ávidas por conjunção carnal e ricas ? Porque todas elas não tinham ainda idade suficiente para serem penalizadas pelo sistema?

Tudo isso me fez sentir uma revolta interior que levou a fazer aquilo que, isso sim, toda a lei me proíbe: fazer justiça com as próprias mãos. No caso em tela, o membro não seria exatamente as mãos, mas falando simbolicamente. Se o Estado não me concede tutela jurisdicional, eu, um cidadão acoimado por todos os lados pelo ilícito iria resolver aquela situação por mim mesmo, fazer eu mesmo a Justiça. Faria uma transação penal, entre vítima e criminosas. Sem a interferência nefasta do Estado. Resolveria a situação ali mesmo, com meus próprios recursos.
Foi o que fiz. A minha proposta, dentro do princípio jurídico da razoabilidade: se elas me mantivessem nessa terrível situação por mais, digamos, seis meses, eu concederia em troca outros seis meses e depois disso eu ficaria livre. Tudo isso num contrato verbal sinalagmático, por um acordo bilateral de vontades. A boa, muito boa vontade e boa-fé. Possibilitando inclusive uma prorrogação do período. Ou ainda com renovação automática, o que beneficiaria reciprocamente as partes, pela previsão contratual antecipada do evento que a gente tem mais o que fazer do que ficar renovando contrato o tempo todo.
Dito isso, fui novamente interrompido. Agora sim tem razão o Sistema em afirmar que o crime é coisa de pobre ou preto. No caso, eram duas afro-descendentes, devidamente miscigenadas nesse Brasil com algum holandês. A esse tipo de descendência a gente costuma chamar de morena-jambo, fruto da terra brasilis, coisa do outro mundo, coisa do demo mesmo, do cão. E lá vou eu novamente me submeter servilmente aos seus anseios criminosos e insaciáveis!
Mas, pelo menos a situação está resolvida. Eu resolvi. Nós resolvemos. Um dia eu me livro de tudo isso! Mas sem pressa, porque a pressa é inimiga da perfeição. E elas cometem um crime perfeito. Por isso o Sistema não tem uma pena pra elas. Assim como elas não têm pena de mim. Ainda mais ao som de “Good morning, good morning”, dos Beatles!

Mas, peraê! Essa música é o meu despertador! É, tá na hora de acordar, não tem jeito. É sempre assim: tensão pré–provas, tempo de pesadelos. Ainda bem que esse foi bem bom. E ainda revisei alguns conceitos pra prova. Beleza! Depois de tanto sofrer, agora vou me dar bem. Na prova.

Roy Babbosa Arcadas, XI de junho, CLXXXI


Esse relato faz parte do Tratado Geral de Direito, uma visão real do jurídico, de-leigo-para-leigo, (afinal, a dp em Direito Romano ainda não permitiu que o autor seja formado em Direito) que inclui, entre outros:
Conversa de Tribunais
A Coisa
O Casamento Putativo