sexta-feira, novembro 07, 2008

Uma irrestaurável História

Um dos grandes feitos alardeados recentemente pelo Centro Acadêmico “XI de Agôsto”: a restauração da herma de Álvares de Azevedo/Fagundes Varella, garbosamente instalada no Território Livre, o nosso Largo de São Francisco.

Isso seria muito bom, se não fosse muito ruim.

A Herma está lá por obra e arte de XI etilicamente franciscanos que, na memorável Peruada Noturna de 2006, eufemisticamente surrupiaram-na da Praça da República, onde se encontrava abandonada à própria sorte e Natureza, morada de pombos e abelhas, desde 1907. Seu traslado, epopéia recheada de lances fantásticos, com direito a prisões, ofícios autorizativos fictamente verdadeiros, farta distribuição de mel poeticamente produzido, ao longo de um século - enquanto os homens faziam guerras e chegavam à lua. E a sua honorável implantação no Largo, com cimento e areia. Experimente você, em qualquer outra cidade do mundo que não seja São Paulo, comprar cimento e areia, às quatro horas da manhã. Isso é São Paulo. Franciscanos vivemos um mundo à parte mesmo.

Essa é a São Francisco. Que faz São Paulo e o Brasil.

Nas Arcadas, a tarefa, árdua e adorável, é apenas continuar fazendo História. A cada dia que passa. Estamos ali para fazê-la. Quando menos, senti-la de perto.

Um pouco da água que se misturou ao cimento para colar a herma no Largo proveio de suor e lágrimas de sonhadores franciscanos. Que orgulhosamente apuseram lá suas iniciais e impressões digitais. É certo que ela não está em ângulo reto, mas a Torre de Piza também não. As Pirâmides também estão sujas. Se ela se encontra toscamente esverdeada, foi também por obra e arte de outros etilicamente franciscanos que, retornando de orgulhoso Pindura, resolveram pintar a herma com milagroso verniz, que a retornaria ao puro bronze. Ledo engano. Ela amanheceu verde-em-folha, literalmente. Uma homenagem ecologicamente correta aos nosso virgem colega, poeta que, como nós, sonhou e amou na vida.

Isso é a São Francisco. Isso é História.

Por certo que aqueles teriam suficiência para comprar uma belíssima estátua, tinindo de nova para apôr no Largo. Mas isso qualquer um faz. Isso não é fazer História, é comprar estátua. A História não tem resgate. A gente tem que fazê-la, diuturnamente. Quem pensa comprá-la tristemente se engana. Correndo o risco de se tornar piada para todos os séculos. Como tal foi feito, em 1907, uma estátua do Álvares de Azevedo, com a herma do Fagundes Varella.

Isso é a São Francisco, pura História.

Em restaurando a herma, possivelmente ela ficará mais limpa, mais perpendicular ao solo, sem abelhas em seu interior, com direito até a uma placa de quem pagou a reforma. Mas será apenas isso. Um manequim na vitrine. Essa será a sua pobre história retocada, de segunda mão. Para ser então realmente fiel à estética, à beleza visual e à verdade, coloque a verdadeira herma de Álvares de Azevedo, não Fagundes Varella. Terá então sido despida de seu real e histórico sentido.

Em memória, ao menos aponham nela, a trova que então foi feita:

Te quero prá sempre no Largo,
morada da tua Poesia.
Teu busto defronte às Arcadas,
teu verso na Academia.

Bonita ela é como está, envolta numa aura de autenticidade: testemunha, objeto e prova do feito. O espírito franciscano como autor, por meio do seu animus jocandi, aparentemente brincando. Essa é a verdadeira, incrível e irrestaurável História. Da herma e das Arcadas.

Luiz Gonzaga __________ Arcadas CLXXXI, XI de XI.