quarta-feira, dezembro 16, 2009

O Estado é nóis!





Nobody told me 
There'd be days like these...
(John Lennon)



É preciso viver a vida! Viver cada dia como se fosse o último. Diz o ditado: um dia você acerta.


Por isso, preparei-me gentilmente para ir à festa. Não pode ir muito tarde, porque o Kassab mandou que os bares fechem até à uma da manhã. Mas também não dá prá ir muito cedo, porque o Serra só deixa você circular de carro, depois das 20 horas. Isso porque ele circula com carros oficiais, dos mais variados.


Espremido entre os horários, pego a Imigrantes. Estrada ótima, mas só pode ir até 90 km/h, senão leva multa.  Depois, em ruas mais estreitas, poder-se –ia até tirar a diferença. Caso não houvesse lombadas eletrônicas, onde a gente é multado a 40 km/h.


Por isso tudo, pretendo avisar os amigos que não chegarei tão cedo, ma s não posso não. Se usar o celular dirigindo, lá vem mais uma multa. Uso então os meus incríveis dons telepáticos, mas em vão. Talvez, para uma sexta à noite, até o éter esteja congestionado. Nem mesmo uma linhazinha cruzada com alguma disponível à esta hora da noite. Nada.

Depois de tudo, consigo então chegar à Vila Madalena. Fica difícil encontrar o lugar, já que o Kassab mandou retirar todos os cartazes, letreiros, outdoors e etc. Fico pensando se ele fosse candidato a Prefeito em Las Vegas ou Nova Iorque. Can you imagine?

Deduzi então o endereço. Procuro estacionar o carro. Mas cadê vaga? Se eu fosse, como sou, afro-descendente poderia pleitear uma cota para uma vaga ou algo parecido. Mas, não. Caio na mão dos flanelinhas, que cobram a bagatela de 30 “cruzeirinhos”, para estacionar na rua. O valor se refere à compra da isenção a que eles não depredem o carro. Ou o furtem.

 Entro no dito bar, após uma longa fila para pagar 20 pratas prá entrar. Finalmente encontro os amigos. E esse é um momento de alegria. Feitos os cumprimentos e as festas habituais, vamos ao bar. Outra alegria: uma cerveja. Cinco reais, mas tem que pegar com um guardanapo. Não para não molhar a mão. Para não queimar os dedos, já que a dita cuja está quente. Penso até que ela seja vendida quente, porque a gente nem pode beber. Na saída tem um bafômetro. Conseqüentemente com uma multa. Grande Kassab!

Depois de uma cerveja, claro que vem um cigarro. Não, não pode. Fumante virou criminoso, bandido, marginal e persona non grata. Como todo antigo fumante, o Serra é um atual chato. Mas, como virou governador, adquiriu o direito de institucionalizar o chato do ex-fumante. Cadê os direitos das minorias? Se quiser, tem que sair do bar. Fumar, só na calçada. Agora elas estão vazias, porque o Kassab proibiu os bares de colocar cadeiras nas calçadas. Como paguei para entrar, ganho um belo carimbo no punho e um segurança me conduz, por uma porta lateral, à gloriosa calçada. Não a calçada inteira, lógico. Com uma corda, fizeram um chiqueirinho para os detestáveis fumantes. Cerca de dois metros quadrados. Como tinha cerca de trinta pessoas ali, imagina-se a maravilha! Nem mesmo em  presídio dos piores que há por ai a concentração humana é maior.

Já a cocaína, crack, ecstasy e outras drogas mais leves, isso pode. Estão até providenciando para que traficantes seja descriminalizados. Para facilitar as transações, claro. Fumar cigarros , não. É out!

Volto então, para as mesas ajuntadas dos amigos. A essas alturas, não havia mais cadeiras. Peço uma ao garçon, que diz que vai providenciar. Volta com uma banqueta com três pernas. Uma das quais está bamba. Prefiro então permanecer em pé.  

Já que não posso beber mesmo, decido brilhantemente por uma Coca-cola. O garçon me informa então que só tem Pepsi.

Desisto! Despeço-me dos amigos e retorno para casa, pela pista da direita. A 30 km/h. Que devo reduzir, já que tenho que parar. No pedágio.

Puto da vida como estava, o melhor lugar a me dirigir, seria naturalmente a um puteiro. Mas o Kassab é mais chegado ao quibe do que à esfiha, como todos sabem. Portanto, deu-se ao direito de fechar os puteiros. Na vã ilusão de diminuir a concorrência, talvez. Caso nossa próxima prefeita seja lésbica, a regrinha passará a ser muié cum muié ? E nosoutros aqui, como é que ficamos?

Fico então pensando, já que a isso posso recorrer, sem medo de ser multado ou impedido: caso o próximo governador seja vegetariano, seremos todos condenados a morrer comendo apenas alfafa e coentro? Comer carne será proibido e sujeito a multas?

Se a nossa próxima presidenta, que era assaltante de padarias (e continua carreira, mas em Brasília), conseguir usurpar o trono, seremos proibidos de ser honestos?

Na Era Mula institucionalizou-se a ignorância. Nesse reinado do Imperador do Mato Virgem o que é Direito não vale um dedo mínimo. Já que um analfabeto apoderou-se do Planalto, qualquer um se dá ao direito de dizer o que bem entende e é dado como certo. Nos tempos da boa e velha Medicina, Pneumonia era causada por um bichinho chamado pneumococos. Hoje quem provoca pneumonia é o cigarro. Está escrito nos maços de cigarros. Pode?

Noutros tempos, o dedo do rei era a medida oficial do reino. Mas isso era um regime absurdo de absolutismo da vontade de um ou de uns poucos. Então inventaram um estado e apelidaram de democracia. Passou-se então para o reinado da vontade geral. Legal, muito legal. Mas no Brasil, peculiarmente, como sempre, passamos de um “O Estado sou Eu”, para um “O Estado é nóis!”.  


Diante de tudo isso, peço encarecidamente a você: caso queira me convidar para a sua festa de aniversário, avise-me com antecedência. Ofereço gentilmente a minha casa e pago a sua festa. Sairá mais barato para o meu bolso e muito mais para a minha paciência. Mas só que terá que ser à tarde. Porque às 22 horas começa a lei do silêncio. E seremos multados.

AAArcadas, XI de dezembro, CLXXXII