segunda-feira, novembro 02, 2015

A Herança

Ó aqui, ó: vc nem me perguntou coisa nenhuma! Imaginativo como sou, imaginei  que tivesse me perguntado e então, educadamente vou responder. Com  poucas palavras, pois sei que você está na correria.
É assim o ciclo da vida:        
Um dia faz-se necessário comprar isopor, para ajudar o seu filhinho a fazer um daqueles indefectíveis trabalhinhos de pré-escola. Você vai usar apenas uma folha, mas só te vendem um pacote com 5. Indignado mas resignado você compra e pensa: vou guardar esse “restinho” de 4, para que ele possa aproveitar para fazer o indefectível trabalhinho de pré-escola do filhinho dele, que ficará horrível, mas altamente elogiado, como a uma obra-de-arte.  
E como você aprendeu como comprar todos os isopores (existe isso?) da vida, acaba até comprando uma casa pra viver. E reserva um local para guardar os seus tesouros. De memórias, emoções e de dinheiro vivo mesmo.
Quando o seu filhinho acaba tristemente por ter o seu filhinho também, o indigitado vai para a pré-escola. E o mantra diz que ele fará um indefectível trabalhinho com isopor. Que ficará uma porcaria, mas fartamente elogiado. Orgulho da família. Gênio precoce. Você, solícito, prestativo e interessado, oferece-se para ajudar. Resposta: “Imagina pai, hoje em dia existem materiais muito melhores, tecnologia de ponta”. E vai lá e compra uma folha de isopor, em um pacote com cinco. Volta indignado mas resignado: “que  abuso cobram por um pacote de isopor. Principalmente porque você só vai usar um. Por isso é que a gente vive na correria, trabalha, trabalha e nunca tem nada!”.
Você, pacientemente guarda em seu tesouro as restantes quatro folhas de isopor.
Você já deve ter percebido que isso se repete indefinidamente... mas prometi  te contar um ciclo. Dois pontos apenas determinam uma reta. E um ciclo é uma reta torta e burra.
Quando o filhinho do filhinho do seu filhinho vai para pré-escola, qual a surpresa? O trabalhinho, claro! “Não, vô, não se incomode não! Continue a cuidar lá do seu recanto, o quartinho dos segredos e magia” é a resposta do seu netinho. E ele mesmo. E vai lá, comprar um pacote de isopor para fazer o trabalhinho do seu bisneto, com uma folha de isopor, que ficará lindo, maravilhoso. E você, pacientemente também vai lá e recolhe as quatro folhas restantes de isopor e leva-as para o seu depósito.
Apesar de estar escrevendo sobre velharias, não tenho Alzheimer não. O “pai”, a essa altura da estória , já tinha sido abandonado pela vida. Um dia antes de receber a sua primeira parcela de aposentadoria, por ter passado quarenta anos de sua suposta vida trabalhando feito a um mouro para comprar todos os pacotes de isopor que a vida se lhe oferecia.
O trabalhinho da pré-escola do filhinho do filhinho do filhinho do seu filhinho, feito a uma sina será também feito com folhas de isopor. O seu trineto eventualmente vai recusar a sua ajuda, já que no seu tempo, certamente o isopor era feito com restos dos pergaminhos perdidos dos faraós da Atlântida. E vai até a lojinha da esquina e compra o isopor. Que consiste de uma somatória de bolhas de ar, separadas por moléculas enrijecidas para lhes dar esqueleto: folhas de isopor. Mas que são vendidas irritantemente em pacotinhos com 5. Por isso, a sua prestimosa e ignorada ajuda no trabalhinho do seu tetraneto será recolher as quatro folhas restantes e levar para o seu depósito de velharias.
Se a presente explicação lhe é necessária, peço perdão antecipado. A existência de bis, tata, tatata, etc, é tão factível quanto saci, papai noel ou cegonha. E só foi incorporada até ao dicionário pela ignorância, simbólica molécula enrijecida para dar esqueleto ao nada, essência dessa estória.
Há o pentaneto, factível apenas em tese, pois que o candidato a pentavô, teve a tênue réstia de vida interrompida ao caminhar para o seu quartinho de velharias: mais um pacote com quatro folhas de isopor.
Após o seu passamento, falecimento, ou em expressões mais reais, “finalmente morto!”,  a casa foi imediatamente colocada à venda pois que os herdeiros nada mais tinham e precisavam do dinheiro para pagar contas, urgentemente. A vida não está fácil pra ninguém. A correria é muito grande. O preço dos incontáveis pacotes de isopor, desenvolvidos pela modernidade para o conforto e o deleite dos animais racionais chamados antigamente Homem, estão pelos olhos da cara.
Para a venda do imóvel, a providência foi a limpeza do quartinho das imundícies daquele velho asqueroso, teimoso até para morrer. Tudo para o lixo!
A magia que fecha o tão prometido ciclo: o final feliz ficou para o lixeiro, que não havia entrado na estória, mas que ficou rico, vendendo para a reciclagem uma imensa quantidade de folhas de isopor. “Velho têm cada uma, né? Guardar esse monte de lixo!”. E arrematou a casa pela metade do preço devido à crise e a penúria daquela gente toda desprovida financeiramente de recursos e vivendo sofridamente às custas de suporte governamental. O dinheiro obtido não foi suficiente para pagar metade das dívidas, mas deu novo fôlego para continuar na correria. Logo,  logo, o hexaneto teria uma apresentação de trabalho na pre-escola.
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Adicionalmente, pode-se contar que o lixeiro criou fama instantânea, sendo convidado para posar na revista G e também para o próximo big brother. Ao final da estória você vai entender o porque dos seus planos de se candidatar a deputado federal. Na entrevista, exclusiva para canais pay per view contou outros achados naquela lixarada toda:
1 - textos em uma linguagem ininteligível  e maquetes das edificações das futuras construções das pirâmides do Egito (o texto foi colocado no google tradutor, que identificou o idioma como aquele usado em marte, mas arcaico, do tempo em que lá ainda tinha vida e marcianos);
2 – Um grande baú, com muitas pasta de balanços, recibos e documentos de uma  empresa familiar especializada em comércio entre os povos, chamada “Caim & Filhos”, com filiais numéricas em todos os cantos da terra. Terra ocidental, está escrito. Curiosamente, uma filial zero no único ponto dessa terra onde se falam quatro idiomas.    
A - Um recibo da venda da fórmula chinesa para a pólvora para um imperador romano. No verso há uma observação em aramaico: “cobrar o triplo, porque tem muita grana”
B – detalhado projeto escrito em chinês (arcaico, né? Dãã...) para a construção de caracteres para a reprodução de textos, adquirido por um general romano aposentado, sediado no que modernamente é a Alemanha. O maior indício para o local é que o dito general, para tornar obscura a origem dos textos impressos experimentalmente retirou todas as vogais e os espaços, dando certamente origem ao idioma alemão.
C- Um mapa marítimo da rota a ser seguida para atingir o que seria o novo mundo, também devidamente mapeado. Um exemplar de uma bússola e um astrolábio, assim como de outras ferramentas necessárias para a travessia do grande lago. Tudo chinês, mas em bom estado de conservação, com etiqueta “Made in USA”. E uma explicação: “na impossibilidade de anexar uma nau, seguem os projetos”. Vendido a um aristocrata falido, “possuidor de terras hemorroidárias inúteis, lá pelas bandas da finisterra, donde jaz o Santiago, à esquerda, ora pois”. Dizem ser terras tão poucas e estreitas, que a nascente do rio fica na divisa com a europa. Porém, quando ela cai, já cai no  mar, que é formado pelas lágrimas dos seus habitantes. Falido, mas esperto: onde se lê “comprador” há o nome “johachim anônimo”.  Após conseguirem decifrar que a rota era marítima, com a dica dada da construção de um navio, fizeram grandes navegações naquele mar mesmo, já que os navios não cabiam no país.  
D – Vários recibos de venda de livros surrupiados espertamente antes de provocar o incêndio em uma biblioteca. Pode-se presumir que seja a Biblioteca de Alexandria, pois em todos os volumes sempre vinha escrito “confeccionado na Biblioteca de Alexandria”. Porém, não há provas, apenas um indício. Tudo livro escrito em chinês, acredita? “Ciências da mente e do pensamento”, vendido a um grego para presentear seu filho inútil que sonhava em ser jogador de futebol, já que gostava de brincar com duas bolas.  Desistiu quando mudaram o esporte para uma bola só. Com tudo devidamente copiado, criou o que deu o nome de filosofia. O que no grego popular da época era traduzido como “esperteza de filho”.
E – Recibos de venda vários volumes da coleção ”Matemática, física e química”, vendidos por uma ninharia. O barão inglês nem estava interessado naquelas coisas esquisitas. Tinha comprado a coleção porque tinha capa em vermelho, o que combinava bastante com a decoração toda em rosa do salão do seu castelo. Conta-se que depois, bem depois, alguém cismou de ler aquelas esquisitices todas e traduziu para o inglês. O que é bem fácil, pois a tradução de “4” para todos os idiomas existentes é exatamente “4”. Elementar. E pode-se então se auto-intitular criador daquele “4”, agora em inglês, omitindo-se aquele esquisito e desconhecido “4” em uma língua que nem tem toda essa projeção na mídia. Esclarecimento: à época o chinês era tão pouco popular, que mesmo entre os chineses, poucos sabiam.
F – Uma obra intitulada “Das boas novas: o making of”. No verso do recibo a observação: por serem vários volumes, as páginas de todo o brainstorm, os apócrifos, as cenas não aproveitadas, bem como a versão final foram escaneadas e os arquivos encontram-se no pendrive em anexo. Que também contém o vídeo original pornô do site www.boasnovas.jw com os atores amadores e iniciantes Iesus e  Mada.
G – Uma versão totalmente inédita do livro Apocalipse, que contém um capítulo jamais divulgado, denominado: “A solução final”  detalhando integralmente e sem cortes,  a letra de um funk, ardilosamente condensada em um único verso: “pau, pau, pau, to passando mal e quero uma buça pendurada no meu”. Será usado como sonoplastia do Grande Dia. Além de denunciar claramente o nome do Anticristo, muito embora em iniciais,  FHC.

Bom, não me esqueci do lixeiro não. Precavido como é, muito embora não sabendo exatamente para que servem todos esses achados, guardou em um depósito que ele mantém em casa, para armazenar as suas emoções e recordações. Afinal, ficou rico com aquele lixo todo!. Só aproveitou do baú o item F, cujos direitos vendeu em Hollywood para uma super-produção. Estranhou bastante ter recebido uma comunicação, alertando para o uso indevido de todo o restante daquele lixo, respeitando os sagrados direitos autorais, de acordo com as leis recentes e vigentes.  
. O item G ele pede sigilo, “porque a venda foi feita em dólares, sem recibo e pagaram para mim dez vezes o que eu tinha pedido, desde que eu aceitasse abrir uma conta lá nos estrangeiros e desse um recibo de cem vezes o valor. Aquele doleiro é que  abriu a conta e eu não faço a mínima ideia de onde veio essa dinheirama toda. O doleiro t´até famoso agora, com essa invenção de felação premiada. Sei lá o que é isso! Mas, também, quem se importa, né? É a minha última transação com brasília. Agora, vou só pensar nas minhas ferraris”.

2 de novembro de 2015

Dia de Finados. 

Um comentário:

Zéo disse...

Legal, como sempre! Mas pra onde foi mesmo que vc viajou desta vez?