quinta-feira, agosto 06, 2020

O rei está nu

Eu tive um sonho. 
Meus sonhos são sempre surreais e de dificílimo relato. Não são historinhas, passiveis de serem contados. Uma bagunça.
Como esse é contável, vou contar. Adoro relatar "causos".

Como em todos aqueles contos moralistas, onde o rei chama os seus súditos para resolver certo problema. A ele é dado todo poder, para resolver o desafio. E haverá um premio pelo sucesso ou um castigo, geralmente a vida, para o fracasso.

No sonho então, eu fui chamado pelos donos do Planeta  para resolver o impasse. Afinal, a Humanidade está a um passo para o auto-aniquilamento. E eu deveria então, já que acho que sei tudo, apresentar as soluções. Para tanto, teria todo o poder para editar leis, determinar, julgar e punir. Qualquer coisa, desde que seja para salvar a Humanidade. 
Curiosamente, foi-me dado um lápis e um mapa-mundi, para que eu delimitasse as áreas onde apresentasse determinadas soluções. Com os potentes computadores de hoje, acho que aquele mapa-mundi redondo, lindo, parece que estão em extinção. O lápis acho bastante óbvio, dado o meu recente prazer em desenhar com ele. 
Eu apenas circundei todo o Planeta Terra. Minha solução seria para todo ser humano vivente, atual e futuro. 
Na lista de soluções, a primeira foi para a atual pandemia criada, em torno de um vírus. 
Solução: todos os povos da terra devem voltar as suas vidas normais, como era antes do mal-fadado vírus. 
Meus fundamentos:
Não preciso dizer o óbvio, que as pessoas devem ter hábitos de higiene. Mas, se acham que é preciso. determino: que todos tenham hábitos de higiene. Desculpando-me com todos aqueles que já os têm. 
Não preciso também determinar que as pessoas mantenham-se afastadas uma das outras. Elas já fazem isso. É fato sabido que o mundo atual tem quase oito bilhões de solitários. Então, seria chover no molhado. 
Fisicamente, também não é preciso. Em 99,9% dos eventos da vida, já os vivemos distantes a mais de um metro das pessoas. No restante, quem quiser que se aglomere. No último show que assisti do Paul McCartney, eu estava na primeira fileira de pessoas. Amontoado. Caso você tirasse o pé do lugar, ao querer voltar o pé, já não mais existia aquele espaço. E você deveria continuar a assistir aquele show maravilhoso em apenas um pé. Eu sabia disso e resolvi me expor ao risco. Se o risco fosse pegar um corona e morrer por isso, tudo bem. Desde que fosse depois do show. Foi um exemplo real. Expliquei-me?
Não há muita novidade nisso. Apenas é assim que a vida é. E sempre foi.
Estando vivendo normalmente e se houver exposição ao vírus, vou dizer o que todos já sabem: de cada 100 que tem contato com o chinês, 85 não sentem coisa alguma. Coisa comum, em qualquer virose. Sim, é uma viroso. Não é uma pandemia. Dos 15 que sentem alguma coisa, alguns saram espontaneamente. Outros se curam com anti-gripais. Outros tem uma gripe horrível. Igual aquelas que sempre houve no passado. É só lembrar de você mesmo. Alguns se curam com um chazinho da bisavó.
E há aqueles que ficam mal, muito mal. Dentre esses, há alguns que morrem. E que devem se submeter aos cuidados médicos pertinentes, como sempre ocorreu no passado. Lembram-se? Pessoas amontadas nos corredores de hospital. Coisas normais do nosso Brasil. Agora exportadas para o mundo. Mas, sendo bem simplistas: os doentes serão tratados como doentes. Ponto final. E ponto final para a pandemia e para esse assunto. Resolvido!

Era um sonho, certo? Continuo, com as demais soluções e providências
As demais soluções que apresentei para essa Humanidade que aproxima-se irremediavelmente para a auto-extinção, cuja causa eu diagnostico imediatamente: sofremos overdose de hipocrisia. Um dilúvio dela, no qual estamos mergulhados. 
A solução: que sejam incinerados todos os códigos de todas as leis de todos os países. Estão revogadas. 
Haverá uma única lei: que todos vivam restritos aos limites do seu próprio sagrado direito. Não será preciso uma lei escrita. Esse direito é intuitivo. 
Como esse único direito é afrontado pela Mentira, a pena será aplicada pela mentira. Além da restituição do direito por ela conquistado.
A pena: desde o nascimento, qualquer pessoa que se utilizar da Mentira, qualquer que seja, ser-lhe-ão acrescidos dez quilos de peso, dez anos de vida e dez centímetros a menos na altura.A Natureza dará conta desse recado. Seu direito próprio ser sagradamente preservado. O que conseguiu pelo uso da Mentira será restituído.
Essa solução passa a vigorar a partir do momento presente.
Para tanto, faz-se necessário definir o que seja a Mentira: é  tudo aquilo que não for a Verdade. 
Tarefa concluída. 
 
Os senhores da Terra gostaram da minha solução. Perguntaram-me quais poderes eu gostaria de manter comigo, como prêmio. Disse-lhes: eu quero apenas me manter dentro dos limites do meu sagrado direito. E quero também um 45, para ser utilizado no caso de algum desavisado ignorar isso. 

Ah, e dentro dos meus ainda todos-os-poderes, quero mais uma coisa: quero todos vocês, os pseudo-donos desse mundo maluco,  cada um dentro de um tacho com 10 metros de altura e transparente, onde eu colocarei uns três metros de água. Com o tempo, a água evapora, certo? Bom para vocês. Como esse meu sonho é do tipo daqueles "era no tempo do rei", a minha última vontade: cada um de vocês estará nu. E todos verão isso. 
Então eu acordei e vim escrever isso. 

06 de agosto de 2020