sábado, outubro 20, 2007

A Vigília feita Poesia

(Esses versos estão manuscritos em todas as pedras e colunas do Pátio das Arcadas. Porém estão visíveis apenas aos olhos do espírito de quem permanece ali, na noite da Vigília).

Infindas são as maneiras e modos
Por que se faz amada essas Arcadas
Ao conhecê-la, transpondo calouro os seus umbrais
Por fugazes cinco anos que se fazem vida-inteira
Ao ser seu filho, único cada qual
Ao ajudar a fazer e saber sua bela História

Permanecer renitente nesse Pátio
Mesmo quando não há mais nenhum motivo aparente
É gesto de amor
Inteligível apenas aos Dela afeitos

Amamos essas Arcadas
Quando trocamos nossos nomes
Pela condição de seu dileto
Posto que não mais se fala : eu sou o Fulano
Mas a inusitada maneira de amor no dizer: eu sou franciscano.

E todas as tantas e demais maneiras e modos
Os sabemos e fazemos tão bem
Ao festejá-la, cortejá-la, reverenciar seu nome
Inseri-la em nossas vidas e corpos
Como fosse feito o sangue que nos percorre por inteiro
E essa identidade que nos torna ímpar: ter por Lar, essas Arcadas
Na impossibilidade de nos despedirmos dela
Posto a carregar e a ostentar em nosso peito
Pela vida adiante

Porém, a mais bela de todas maneira de amor
Se faz da Vigília que fazemos
Aqui e agora
Posto não ser verbo de ação de amar
Mas um estado de contemplação e êxtase
Que nos imiscui nela, essas Arcadas
Como se fôssemos parte Dela, dessas pedras, arcos e Pátio
Como que fecharmos os olhos
E nos permitirmos apenas nos deleitar
Como o carinho da pessoa amada

Com apenas a luz da lua e do Monumento
A nos iluminar o espírito e o Pátio
- espaço mágico que pára o tempo -,
Cenário que nos chega a Deus
Ao nos transubstanciar em gênese nessa alma nova
Que, somada, permanece Uma.

A Vigília vai além de só confraternizar, estar, festejar
Esperar o Sol e a Peruada
É sim, sobretudo, por ora e para sempre,
O exercício indescritível de
Ser o próprio espírito franciscano.

Arcadas, XVIII de outubro, CLXXX

terça-feira, outubro 16, 2007

Das artes cínicas: imagens - uma homenagem a Paulo Autran

Paulo Autran - merecidamente chamado de "Senhor Teatro" é formado pela São Francisco, turma de 1945. Atuou em 90 peças, sendo a última, "O Avarento". Representou desde autores gregos a Shakespeare, entre tantos outros. Dispensa qualquer tipo de comentários. Só não impede que, franciscano como ele, faça-lhe uma pequena homenagem: o ator, um homem de mil caras. No caso, 90. E a reação da platéia, seu motivo de viver.

Das artes cínicas: imagens


Mais represento os dias
Mais me descubro em faces
Qual agora: o cenar me afeiçoa

Não teatro de moedas pro cofrinho
Mas um palco aberto, impreciso e imprevisto
Uma peça longa, talvez curta
Quanto os dias que me restam
Ou que me faltam

Novo sou nesse tal feito
Pois aflige a mim, a platéia que se assenta
Ora aplausos, ora muda, ora esparsa
Sempre assim, ausente no realizar

E me encarapuço no vilão
O mais de mim me dou prá não falhar
Tendo, no mundo, um inocente
Roubo, atento, violento, abuso
E ela, embasbacada, questiona
Mas assim, sempre sentada
E, no entre-ato, me apupa
Perguntando, ao fim, qual meu intento.

Noutra feita é homem bom
Certo, correto, exemplo
Onde me esvaio em sangue prá não sucumbir
Nessa alada esguia, intempestiva
Assumir status, feito a mais-valia.

A platéia, aflita, orienta
Mal que faz, pode fazer
Esse empenho insano do valorizar !
Mas sentada, sapiente e deusa
Feito à musa que inspira e não faz o fato.

Se mascara agora, um miserável
Sem futuro, só de agora, estar aqui por nada
Marginal, mesquinho, endividado
Ausente em frases, sem afetos, amigos
E a platéia afoita, paternal, em gestos me afaga
Se esfalfa. Assim, o que é que traz ?
Mas sentada, irrita de todo o bom empenho
Quando erguerá em atos, me contradizendo ?
Mas, me diz, sou o ator
Eu que lhe espelhe a claudicância.

Quando ao amor me entrego
Lascivo de corpo, ingênuo na alma
Expandindo em glórias sua exuberância
Consumindo a era num instante
Eis que então, sem medo se apresenta
Não se pode assim se alienar !
Mal ao mundo faz quem se apraz !
Faz, sentada, seu amor contido
Sente, sentada, sua chama frouxa.

Essa peça é toda um todo em suas partes
Exigente, faz do que o perfeito almeja
Ser vil, viril, ser fraco, amante, aposto e contra

E o que mais a mim me louva
Tem no ato que me exige louco
Pena faz, fugaz, ser ato apenas
E me condecoro austero
Pois assim se faz, se representa
Ser num ato o que se é na carne
Entranhada em devaneios
Isso que alucina o que é alucinante
Pois o novo e o presente, a mão nunca se dão
E o ato finda, louco, porém pouco
Mas o povo gosta, aplaude, expande
Se levanta até
Qual que refletindo
Num momento insano, o que nem ousaria ser.
E se assenta lenta, até desajeitada
Por ter sido afoita, assim se levantar
Quando o tempo todo exige
Estar sentada, atada, esperançada.

Quem dera, fosse eu ator sem rumo
Peça mais gente, além de um
Que não ficasse assento isento
Num quebra-quebra de sensato dano
Com toda a sorte lançada no atuar
Sentado até, mas num relance
Em pé, o peito, o braço, a fronte
A mão crispada, não no aplaudir
Mas sim num gesto em crise, já por ansiar
Lugar no palco prá querer fruir
Não apenas um momento, mas por toda a obra
Sem favor de assento

Pois platéia soa qual esmola de quem tem prá dar
Mas só cede um nada, por não ser cobrada.


Luiz Gonzaga

sexta-feira, outubro 05, 2007

A primeira Peruada (oba!)

O espírito das Arcadas - Capítulo V


(Da Peruada não se conta, pois que de nada se lembra. Vive-se. Mas a primeira precisa ser contada. Calouros precisam conhecer)

Para um leitor ocasional, alerta-se que esses psicografados escritos são de Roy Babbosa, calouro de 1828, turma I, o espírito franciscano, por isso onisciente e onipresente. Além do que está ainda em dp de Romano, pois não consegue entender a complexidade da propriedade horizontal. Conta-nos a gloriosa história da Faculdade da História. Mas vamos aos fatos, que ninguém gosta de texto muito longo, além de ser chato mesmo.
O que agora interessa é a Peruada (oba!) .
Que diáfana e sinistra origem teria essa festa, passeando-se pelas cercanias do Direito, metendo a boca em político safado e a boca no gargalo, prá variar ? O mote desse relato: Vamos meter o Peru prá dentro das Arcadas !
Roy fez-se calouro por obra e graça de sua patroa, Domitila. Era feitor nas fazendas da moça, pau-prá-toda-obra. Feitor das escravas, e da patroa. Substituía Dom Pedro , que só vinha pontuar a dondoca três vezes por ano, já que a ponte aérea ainda estava por existir. A carne é fraca. Por isso, assume Roy essa tarefa. Logo, Domitila conscientiza-se que Pedro é pouco. Por isso, faz o Imperador criar a Faculdade de Direito: XXXIII vagas ! Um calouro por dia, três XI ordenados Entre eles, Roy, para coordenar os meninos.
Diariamente, após as aulas (é ! A parte maçante da Academia), reuniam-se no centro do Pátio e cada qual recebia um número. O que saísse com o XI deveria comparecer e “conhecer” (linguagem bíblica: franciscano também é cultura) a DoMETIla naquele dia. Dando a sua, seria excluído do sorteio. Ficaria até o mês seguinte na saudade. Nada de barangas. Não as havia. Àquele tempo, balada era tiroteio. Mulheres, só dos bandeirantes e outros temíveis desafetos. Melhor não. Mais vale um peru nervoso por um mês que perecer eunuco !
Portanto, o sorteado do dia era o felizardo ! Lá se ia ele, rua da Freira abaixo. Nosso relator, Roy, retira-se e vai cuidar das escravas. Era duro com elas. Elas, muito abertas com ele. De suas andanças é que ficou conhecida a expressão atrás-da-moita. Muito ali se fez. Quem dava assistência técnica para toda essa maçaroca de tribulações era o médico Libero Badaró. Fazia o papel de porteiro de boate: trabalhava onde os outros se divertiam. Mas dava também lá as suas marteladas. Na Marquesa e nas escravas. Resumo: especialista em coito e pós-coito.
Assim se passavam os meses: estudava-se Direito e fazia-se sorteio. Vez por outra, uma Dança. Monótonas. Dançava-se mesmo. Nada de conversar lá fora, ver o Sol nascer, passear pelos campos de Piratininga, dar uns pegas, bimbas e quetais . Nada. Por isso, o tédio.
A grande diversão se resumia na Visita Domitiliar. Lógico, fazia-se Poesia ali, recitavam-se grandes poetas, filosofava-se e se teorizava um Brasil melhor. Não, não havia comunistas ainda, com a graça de Deus. Mas só isso não acalma o peru. Por isso, ficou ela conhecida como “ a Perua”. Um demônio, a dita. Acabava com o pobre franciscano. O sorteado voltava que era um traste, feito a uma uva-passa, todo ralado ! Judiava mesmo, sem dó.
Por isso, lá pelos idos de outubro, revezando-se ainda nos sorteios diários, resolveram os franciscanos fazer uma grande festa. Aproveitaram-se do animus jocandi, norma fundamental franciscana, recentemente inaugurada. Era essa a idéia: iriam fazer a visita à Domitila, todos juntos !
Na terceira semana de outubro prepararam-se todos os franciscanos, regados à “água- ardente” prá temperar o clima. Devidamente calibrados, alguém deu a idéia de dar feição de manifestação política à caminhada. Surgiram então frases como “Com a sua fé e as nossas fezes, vamos mudar São Paulo”, “Dom Pedro não vem à São Paulo, a gente mete o pau na Marquesa” e outras preciosidades.
Surgiu ai também a tradição: na Peruada tem que ter um mote. Todos se reuniriam, lançariam os seus motes-candidatos. O melhor, democraticamente eleito, ganhava e era aceito. Diferentemente de hoje em dia, quando a gestão do XI revogou a Democracia. Não importa o que os franciscanos elegeram. Eles outorgam um outro e pronto.

Bom, mas em 1828 ficou assim: a frase principal, conhecida dos franciscanos e desconhecida da população era “Vou meter o meu peru prá dentro das Arcadas”. Todos sabiam que as Arcadas eram as Arcadas e pronto ! O que não sabiam é que essa era a jocosa intenção: após trinta e três, ficaria ela até com as pernas arcadas, semelhantemente àquelas da Academia !
Alguém surgiu com instrumentos musicais e formou-se então a Bateria Agravo de Instrumento da São Francisco, BAISF para os íntimos. Tornou-se o Território Livre uma grande carraspana: franciscanos altamente entorpecidos, ao som do primeiro e então único hino , “Onze, Onze”. Há que se lembrar que não havia ainda a espécime “franciscana”. Um verdadeiro quartel ! Para despistar, nossos ancestrais resolveram fazer um percurso indireto. Aproveitando o fato de que ao ébrio a linha reta é um enorme desafio, saíram por um tortuoso percurso prá percorrer o imenso “triângulo” que era São Paulo.
Lembra-se das filhas dos donos da cidade, as monótonas dançarinas ? No caminho, ao som “acústico” da BAISF, franciscanos traziam para o meio da festa aquelas donzelas e enchiam-lhes o caco com o mais batizado goró. Longe do pai, calibrada pela cachaça, as donzelas o que mais queriam era se desdonzelizar. E dá-lhe moita ! Ao aborcar uma provinciana, franciscano saía cantando “Primeira, Primeira, eu sou da Primeira !” Surge também o que hoje se transformou num jogo de cartas: o truco ! Era assim: chegando o franciscano à décima-primeira donzela pontuada, gritava "XI" ! Um fuzuê ! Todos o erguiam nos ombros, carregado triunfalmente, ao som do Onze, Onze ! , até que viesse o próximo. Assim por diante. Desde o incêndio de Roma, não havia balbúrdia semelhante ! Todos de fogo.
Chegaram à casa da Marquesa. Porém, àquela altura dos acontecimentos, não teriam condições de consumar o ato, ocorrendo assim apenas o crime tentado. No percurso e com as donzelas tinham deixado toda a sua energia e o máximo que conseguiam era ejacular pela boca, um vômito desmedido. Além do que, lembravam-se vagamente do que realmente tinham ido fazer ali. O que era mesmo ? Por isso, como vazia manifestação, xingaram um pouco o Imperador, só prá constar. Era um germe da esquerda festiva, que grita por gritar e nem ela mesma acredita. Continuaram até voltar ao Largo.
Esse, mais um heróico ato franciscano. Nascia assima Peruada.
No dia seguinte, todos os jornais do mundo, o New York Times, a rede lobo, a internet , tudo, noticiavam: Franciscanos fazem a Peruada ! O diretor da Faculdade não queria permitir, mas os franciscanos dormiram nas Arcadas e saíram do mesmo jeito; a gestão do XI quis impedir mas não conseguiu. A Igreja falou que era o fim dos tempos; o presidente americano alertou sobre terroristas; a polícia queria mandar a tropa de choque, mas foram desligados; argentinos, morrendo de inveja, quiseram fazer uma também e, em homenagem a outro animal, criaram a “viadagem”; cariocas, por não terem outra motivação, promoveram um arrastão; astrofísicos documentaram o surgimento de uma nova estrela e a batizaram Sanfran; muçulmanos reivindicaram a primazia, dizendo ser a sua peregrinação à Meca mais antiga. Esqueceram-se de que a nossa meca é mais gostosa, onde canta o peru-sabiá; doutrinadores do Direito questionaram sobre se a Peruada era um ser, advindo do poder soberano inserido na norma fundamental franciscana; os alunos dos cursos de alfabetização jurídica espalhados por esse Brasil queriam dizer que tinham também participado; religiosos bíblicos confirmaram ter o Sol parado pela segunda vez, prá ver a banda passar; ufólogos viram discos voadores sobrevoando a cidade para assistir a parafernália; o presidente afirmou que essa era realmente uma campanha de fome-zero: todo mundo comendo ! O próprio Deus, que todos sabem ser brasileiro e franciscano de carteirinha, abriu uma janela no Céu para apreciar o movimento. Lançou como benção um manto de Amizade e de Alegria sobre as Arcadas, a reinar entre franciscanos. Essa norma eventualmente não tem plena eficácia quando das eleições para o Centro Acadêmico. No Universo não ficou pedra sobre pedra !
Por recomendação do doutor-calouro , professor Libero Badaró, a nossa rica história precisa ser contada em doses homeopáticas. Por isso, Roy psicograficamente deixa aqui as suas impressões, como testemunha ocular, sobre o início da tradição dessa Academia de tradições, a Peruada. Não se contam aqui mais repercussões do evento, evitando que se possa pensar que houve qualquer exagero. Ele se desculpa ainda por não ter muito mais detalhes prá dar, tendo em vista a ocorrência de pt, por coma alcoólico, o que lhe resultou em certa confusão mental, alheamento e amnésia.

Roy Babbosa, o espírito franciscano, na única psicografia digitalizada, autorizada, realizada por

Luiz Gonzaga Arcadas, XI de outubro, CLXXX