terça-feira, outubro 16, 2007

Das artes cínicas: imagens - uma homenagem a Paulo Autran

Paulo Autran - merecidamente chamado de "Senhor Teatro" é formado pela São Francisco, turma de 1945. Atuou em 90 peças, sendo a última, "O Avarento". Representou desde autores gregos a Shakespeare, entre tantos outros. Dispensa qualquer tipo de comentários. Só não impede que, franciscano como ele, faça-lhe uma pequena homenagem: o ator, um homem de mil caras. No caso, 90. E a reação da platéia, seu motivo de viver.

Das artes cínicas: imagens


Mais represento os dias
Mais me descubro em faces
Qual agora: o cenar me afeiçoa

Não teatro de moedas pro cofrinho
Mas um palco aberto, impreciso e imprevisto
Uma peça longa, talvez curta
Quanto os dias que me restam
Ou que me faltam

Novo sou nesse tal feito
Pois aflige a mim, a platéia que se assenta
Ora aplausos, ora muda, ora esparsa
Sempre assim, ausente no realizar

E me encarapuço no vilão
O mais de mim me dou prá não falhar
Tendo, no mundo, um inocente
Roubo, atento, violento, abuso
E ela, embasbacada, questiona
Mas assim, sempre sentada
E, no entre-ato, me apupa
Perguntando, ao fim, qual meu intento.

Noutra feita é homem bom
Certo, correto, exemplo
Onde me esvaio em sangue prá não sucumbir
Nessa alada esguia, intempestiva
Assumir status, feito a mais-valia.

A platéia, aflita, orienta
Mal que faz, pode fazer
Esse empenho insano do valorizar !
Mas sentada, sapiente e deusa
Feito à musa que inspira e não faz o fato.

Se mascara agora, um miserável
Sem futuro, só de agora, estar aqui por nada
Marginal, mesquinho, endividado
Ausente em frases, sem afetos, amigos
E a platéia afoita, paternal, em gestos me afaga
Se esfalfa. Assim, o que é que traz ?
Mas sentada, irrita de todo o bom empenho
Quando erguerá em atos, me contradizendo ?
Mas, me diz, sou o ator
Eu que lhe espelhe a claudicância.

Quando ao amor me entrego
Lascivo de corpo, ingênuo na alma
Expandindo em glórias sua exuberância
Consumindo a era num instante
Eis que então, sem medo se apresenta
Não se pode assim se alienar !
Mal ao mundo faz quem se apraz !
Faz, sentada, seu amor contido
Sente, sentada, sua chama frouxa.

Essa peça é toda um todo em suas partes
Exigente, faz do que o perfeito almeja
Ser vil, viril, ser fraco, amante, aposto e contra

E o que mais a mim me louva
Tem no ato que me exige louco
Pena faz, fugaz, ser ato apenas
E me condecoro austero
Pois assim se faz, se representa
Ser num ato o que se é na carne
Entranhada em devaneios
Isso que alucina o que é alucinante
Pois o novo e o presente, a mão nunca se dão
E o ato finda, louco, porém pouco
Mas o povo gosta, aplaude, expande
Se levanta até
Qual que refletindo
Num momento insano, o que nem ousaria ser.
E se assenta lenta, até desajeitada
Por ter sido afoita, assim se levantar
Quando o tempo todo exige
Estar sentada, atada, esperançada.

Quem dera, fosse eu ator sem rumo
Peça mais gente, além de um
Que não ficasse assento isento
Num quebra-quebra de sensato dano
Com toda a sorte lançada no atuar
Sentado até, mas num relance
Em pé, o peito, o braço, a fronte
A mão crispada, não no aplaudir
Mas sim num gesto em crise, já por ansiar
Lugar no palco prá querer fruir
Não apenas um momento, mas por toda a obra
Sem favor de assento

Pois platéia soa qual esmola de quem tem prá dar
Mas só cede um nada, por não ser cobrada.


Luiz Gonzaga

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