sábado, janeiro 02, 2016

Augusta Juliana

Por essa minha  vida afora, tomei todo o Sol. Nunca pude desfrutar uma sombra, dado que a única era a minha mesmo. Levei todos os jabbers e uppercuts da vida, mas cambaleante, nunca fui a nocaute, não! Em uma situação ou outra, nunca houve alguém a me testar os reflexos, saber de mim, se viva ou já não mais. 
Mas já fui ombro. Para amparar as mazelas de um  mundo inteiro. Que, quando recompostos, iriam desfrutar suas alegrias para bem longe de onde estaria eu. Já fui orelhas de lata-de-lixo  a concentrar estórias sem fim das lamúrias e descontentamentos de amigos e até de desafetos, invejosos e outros tantos. Que, ao depositar seus dissabores nessas minhas orelhas aqui, sentiam-se mais leves, a flutuar feito passarinhos e aproveitando a leveza do ser e do ar,  voar prontamente para outras paragens. Já fui de corpo todo e em partes, latrina para muitos infelizes despejarem seus traumas, neuroses, fracassos, frustrações ou simplesmente fluidos. Esses, desses, nem ao menos um muito obrigado. Passavam no caixa e retiravam um cupom, que os isentava de quaisquer percepções de que eu era uma pessoa, para além daquele receptáculo. 
Sim, sou e sempre fui cobiçada por feios, bonitos, casados, solteiros, esquisitos ou até interessantes. Eu lhes preencho as fantasias e os devaneios. Eles, que vendem a alma ao diabo para terem poder, que lhes possibilitará ter toda a riqueza do mundo, para levar pra cama todas as que eles quiserem. Eis a roda que move o mundo. E eu sou a sua riqueza, sou o seu ouro. Eu sou o seu sonho dourado. O que toco vira ouro. Mas, ao contrário do que todos pensam, o Rei Midas esse dom, não como uma dádiva, mas como um castigo. Tudo o que tocava virava realmente ouro. Todas as coisas tocadas lhe tornava rico. E aquelas das quais precisava para viver também assim eram: ouro, puro ouro. Suas vestes, seus alimentos, as pessoas que o rodeavam. 
Assim sou eu, Augusta Juliana, a  Dourada: enriqueço a todos, tornando-os mais felizes. Basta que eu olhe, toque ou mesmo pense. Assim, felizes, vão viver a sua felicidade.

Eu sou a Angústia Juliana. Uma alma tortuosa, atordoada e trancafiada em um corpo perfeito. Queria apenas poder amar e ser amada. Não ser possuída, não pertencer a alguém que me dê direitos e obrigações. E que, em seguida, cobre-os diuturnamente. Queria poder despertar não apenas luxúria da possibilidade de orgasmos monumentais. Queria poder não fingir prazer, fingir que ser ouro é uma benção, mentir para mim e para o mundo que a vida é linda e perfeita como eu sou para o espelho. 
Eu sou a que , porém, acredita que haja, um Deus, uma força, uma Sabedoria, uma droga qualquer para muito além de nós, meros mortais. Não um Ser que nos manipule feito a marionetes, que tenha todas as cartas marcadas e que sabidamente já me reservou um lugar no mais lúgubre do inferno. Um Alguém tão carente que me exija adoração a todo o tempo. Não, Há de existir um Algo que esteja além de saber os números dos dados que joguei, já que sabe tudo. Um Algo, um Alguém ou um Sei-lá-o-quê que tenha criado a possibilidade dos dados. Um Alguém que não seja burro a ponto de criar para si o eterno trabalho de fazer cair todas as coisas, mas um Alguém que tenha tido a suprema sabedoria de criar a gravidade. E com isso todas as coisas lhe obedecerão sem que lhes tenha que ficar pajeando por toda a eternidade. Elas todas simplesmente cairão e pronto.    
Por isso acredito que almas passeiam por aí e elas se encontram, se esbarram, se repelem ou se atraem. 

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