quarta-feira, fevereiro 07, 2007

A História das Arcadas - A Criação

Capítulo I I - Da criação da São Francisco, como a primeira e única.

É preciso esclarecer a respeito da figura do Roy Babbosa: na realidade, só vou contar aqui porque ele me autorizou (e vocês nem sabe de que maneira. É uma outra estória...). Ele é o primeiro franciscano da turma de 1828. Só que está por aqui, onipresente desde então, e só agora ele se manifestou diretamente (ele foi vítima de uma maldição que... bom, isso é também uma outra estória). Aliás, frise-se bem: na estória da História da Academia de Direito sempre há uma estória a mais. Quando você andar pelas Arcadas, absolutamente sozinho e sentir que não está sozinho, eis a comprovação da sua presença: ele é o Espírito Franciscano.
E então ele me contou, para que eu contasse prá vocês. O assunto é de extrema importância e inédito, por isso faço do conhecimentos de todos : pela vontade Imperial, a São Francisco foi a única a ser criada. O porque saíram duas é que é o motivo desse relato.
Ele foi o primeiro franciscano, não porque tenha sido primeiro lugar. Isso de Fuvest só viria acontecer mais tarde. Acontece que o Roy era feitor na fazenda da Maria Domitila. Com ele era assim: prá escravo, o chicote; prá escrava, o cabo. Aliás, foi um dos principais colaboradores para o surgimento dessa deliciosa espécime chamada morena jambo (mas isso já é lá também outra estória). A Maria, diante de tão espetacular desempenho, quis provar também do massaguassu dele. Saibam todos que a Domitila plantava café, mas também adorava plantar a mandioca. Assim, ele se tornou um fornecedor desse insumo básico prá patroa.
Nessas de plantar café, piquenique em Santos, noitadas nos puteiros do porto, a nossa heroína (que ainda não era uma droga) acabou conhecendo quem ? O estagiário-de-Imperador Dom Pedro. Conhecido nas bocas, como o Pedrão toscafumo. Logo ele entrou a provar as delícias do café da Domitila (o "em teu seio, ó liberdade" foi inspirado nela). Vai que dá uma, vai que dá outra, o imperial gajo passou a fazer parte da agenda (que futuramente viria a ser agenda telefônica) da moça.
O grande fato histórico acontece: ela inventou de criar uma Faculdade de Direito, bem perto alí da sua casa, no Largo do Capim (viria a ser Largo de São Francisco para dignificar o local da Academia). Calma, calma, eu explico (pô, ninguém tem paciência comigo !). Ela, como incansável guerreira, precisava ter sempre à mão um soldado com a sua armadura. Para conseguir esse suprimento contínuo e de bom nível, teve uma brilhante idéia: a "última moda" no Brasil era mandar seus moços a estudaire Direito, em Lisboa e Coimbra. Algo assim como hoje a obrigatoriedade de conhecer a Disneylândia... Coisas de mentalidade de colônia, você sabe... Ela, loiramente raciocinou: ao invés de exportar tanto virilidade virgem e in natura, a ser usufruída pelas bigodudas damas da Corte, ela induziria o seu dileto toscafumo a criar uma faculdade aqui, segurando então a rapaziada. Assim, ela teria material humano suficiente para usufruir da boa-vida, cada dia um soldado, com uma armadura diferente.
Porém, ela teve que esperar um bom tempo. Naquele tempo, o Pedrão ainda era estagiário de Imperador. Nessa importante função e também por ser filho do chefe, ele só ficava indo prá lá e prá cá. Não aprendia nada, mas circulou bastante. Estagiário mesmo ! E também ficou conhecendo o povo brasileiro, isto é, a pova brasileira. Ele iria se especializar em assuntos ambientais, como o os matos e as moitas. Conta-se até que, atrás da moita surgiram muitos neologismos, enriquecendo ainda mais a língua tupi-guarani. As índias que se submetiam (e sobremetiam também) ao apetite imperial guturalmente emitiam sons que, futuramente seriam incorporados à língua (e aos demais órgãos sexuais), podendo ser fracamente traduzidos para o português como "aí, Pedrão", "manda que eu guento", “tô ficando atoladinha” e outras preciosidades.
Bom, o assunto é tão rico (afinal, é o Imperador !) que eu começo a viajar...
Quanto mais se aproximava a época em que o estagiário Pedrão seria efetivado na função, mais crescia o amor da Domitila. E crescia também o aparato dele. O Roy, nosso herói, fazia as vezes de suprir as lacunas da lei. A lacuna da Domitila. A lei era o Pedrão. Na ausência dele era o Roy que vigorava. A insaciável moça exigia a incidência plena da eficácia do competente futuro-franciscano. E haja vigor, prá domar a moça !
Quando ele (O Pedrão) finalmente foi efetivado, desde logo quis fazer pro Brasil uma grande moda, vigente nas Europas: uma Constituição. Assim, o país seria uma grande Nação também.
Como, àquele tempo, o "desde logo" demorava um pouco, dois anos depois, a dita foi ejaculada. Ou melhor, ele copiou uma. Escrever ia dar muito trabalho. E ele já tinha muito trabalho com a Domitila. Seu material de tese de pós-graduação, as cocotes da Corte, escravas e índias não lhe deixavam tempo livre. Ele dava um duro danado ! Não iria permitir que o pau-brasil entrasse em extinção ! Como o povo era analfabeto e, quem sabia alguma coisa era em um português ruim, compilou algumas coisas daqui e dali, das Constituições de "umas línguas esquisitas" e desconhecidas destas plagas. Finalmente, o "copy-and-paste" ficou pronto. Ele, todo orgulhoso, agora efetivado como o Imperador, quis mostrar a sua obra prá Domitila. Na realidade, a sua obra ele já tinha mostrado prá ela. Queria mostrar agora a Constituição que havia feito (ela nem ficou sabendo que era uma compilação feita às pressas). Quando ela chegou prá ver, ele estava deitado, repassando algumas coisas. Ela ficou tão entusiasmada com a obra dele e com as outras partes também, que comemoraram a tarde inteira. Decorrente disso, a Constituição ficou um pouco rasgada, alem das manchas inevitáveis. Por esse motivo, ela ficou conhecida depois como a Constituição da Mandioca. E também criou a tradição brasileira de copiar leis que nem se sabe direito como funcionam, redigidas na base da sacanagem e depois ter que remendar um monte. Ainda assim, doutos estudiosos da Lei ficam procurando hermeneuticamente a sua essência e coerência. O espírito do Legislador tresandava com as peripécias da Domitila, saibam eles.
Você, que está tendo uma paciência de Jó de me acompanhar nessa estória maluca, deve estar perguntando (se está prestando atenção, claro), onde é que entra o Roy, a São Francisco, etc. Não se apresse. Esse é um estilo esquartejador: vamos por partes. O bom e o gostoso é ir devagar, sem pressa, usufruindo o momento, etc e tal. Aliás, esse era um dos segredos do nosso ex-estagiário Pedrão-toscafumo e agora efetivado como o sagrado Imperador.
Enquanto isso, a Domitila tinha se instalado: dormia no palácio do Cacete, isto é, do Catete, e até já deixava as calcinhas no banheiro. Domínio total. Mas, era chegada a hora ! Precisava adequar a agenda. O Imperador, tão ocupado. O Roy se dividindo entre ela, as escravas e índias. Ela, com os estivadores de Santos. Não era suficiente. Não custa lembrar que nesse tempo o comércio internacional era pequeno, poucos navios, e, basicamente feito por ingleses e portugueses. Sabe-se que ingleses são mesmo meio boiolas e português é burro, e não jumento. Com isso, a Domitila já andava dando assistência pro povo, com o Flaubert na cama. Não, não era sexo grupal. Enquanto o valente exercia sua hidráulica função, ela se deleitava com "Madame Bovary", "Mulher de trinta anos", etc. Enfoda. Diga-se, enfado ! Principalmente com os portugueses. Com os ingleses era mais um rock !
Ela, com todos os meios legais (e, principalmente os meios) que tinha, convenceu o seu amado Imperador a instaurar em São Paulo uma Faculdade de Direito. Dizia ela: "Olha, Pê, nosso querido Brasil merece ter uma Escola de Direito. Com isso, Vossa Majestade fará uma grande Nação, respeitada diante dos demais países. Seremos uma Nação de primeiro mundo ! Chega de colonialismo ! Por que vamos mandar nosso cérebros (na realidade ela estava pensando em outro órgão, mais embaixo) estudar em Portugal, se já somos uma Nação independente e você, o nosso Defensor Perpétuo ? Vamos manter nossos moços aqui, fazer uma lei só nossa. Você vai criar a melhor Faculdade do mundo. Aliás, uma Academia, tendo em vista a sagacidade e inteligência do nosso povo, seus súditos. Pense nisso ! Todas as mulheres do mundo vão se curvar prá você ! "
Pronto ! Estava dita a palavra mágica. Diante desse argumento poderoso de que teria todas as mulheres do mundo curvadas diante dele, ele despertou. Disse que iria pensar a respeito. O outro argumento, também fortíssimo era que Domitila fazia suas apregoações de maneira entrecortada, visto estar praticamente deglutindo o bilro imperial. Ela continua: "A Academia vai ser lá no Largo do Capim. Você muda o nome para Largo de São Francisco, onde ficam os frades. É lá que mora a amizade e a alegria (a alegria referida dizia respeito ao ânimo com que fazia as suas visitas na Igreja para orar a Deus e pedir perdão pelos pecados que iria cometer com os frades, logo após a confissão). A Academia terá trinta e três alunos, um para cada dia do mês. Enquanto você estiver na Corte, à cada dia, um aluno ficará exaltando e manipulando as graças do nosso Imperador. Eu não sou uma graça ?”.
Assim, o nosso Imperador se rendeu diante desses irrecusáveis argumentos da Domitila e pensou na lei que iria redigir. Ela saiu assim, no imperial pensamento:
“CREAR-SE-Á o curso de Sciencias Juridicas e Sociaes na cidade de São Paulo e, no espaço de cinco anos se ensinarão as materias seguintes:”. (Isso mesmo: espaço de cinco anos. Vê-se logo como é terrível a vida de um amante da última flor do Lácio. Espaço mede-se em centímetros, tempo em segundos. Logo, não existe “espaço-de-tempo”. Mas, fazer o quê ? Até a Bíblia contém essa asneira. Não há livro, até Nobel, que não cite besteira tamanha. Exceção feita, exclusivamente a Machado de Assis, claro. Mas, o que tem isso a ver com o texto, o contexto, a estória da História ? Nada. Apenas é um desabafo ! Portanto, volte-se ao relato:)
Como foi dito, a Domitila estava ali, a exercer a sua função que seria futuramente uma tecnologia exportada para o mundo e popularizada pela Monica Lewinski. Com isso, o nosso defensor perpétuo, acompanhando atentamente os trabalhos por ela realizados e, participando também ativamente, vez por outra emitia algumas palavras desconexas, alguns neologismos tupi-guarani criados pela índias, como é praxe acontecer nessas horas. A grande infelicidade histórica é que o imperial cidadão, ao invés de se dedicar a gozar o momento exclusivamente, além disso, ia escrevendo o artigo da lei. Ficou tão entusiasmado com a idéia, tão convencido com os argumentos linguísticos de Domitila que o texto ficou entrecortado, confuso e prolixo. Assim:
"Crear-se..........ahhhhhhhh! ôôôÔÔô............. cursosssssssssssssss ! de Sciencias Juridicas e Sociaes na Cidade São Paulo e ............outro %$&+++++!#$%! ¨!!! ..............oh! linda !..........ssssssss !#$$!%¨*!"? no espaço de cinco anos e em nove Cadeiras se ensinarão as matérias seguintes: ".
Com essa brilhante defesa oral da idéia, Domitila conseguiu extrair do Imperador o rascunho da Lei que criaria então a Academia de Direito do Largo de São Francisco. Ela também conseguiu extrair algumas gotas mais dele, porém a matéria extraída em nada tem a ver com o desenrolar da nossa História. Logo, ela cuspida fora. Não sem antes, a eterna dúvida entre cuspir-ou-engulir. No caso concreto, conta-se que ela cuspiu. Logo, cuspiu.
Você sabe que nossos leis são imensas ? Pois deve saber também que elas são aprovadas bem menores. Depois de aprovadas, parlamentares incluem artigos que lhes beneficiam diretamente. São coisas bem nacionais, você sabe... Pois saiba que isso começou com a edição oficial do artigo que viria a criar a nossa Academia de Direito.
Quando o Visconde de São Leopoldo pegou o rascunho da lei, não teve dúvidas. Preencheu as lacunas, acertou aqui e ali e a lei ficou assim:
Crear-se-ÃO (lembra do hummmm!!! ?) DOUS (para dar concordância verbal) cursoS (lembra do sssssssssss!!! ?) em São Paulo e OLINDA (lembra do Oh ! Linda !) etc, etc, etc.
Então, além da Academia em São Paulo, surge de uma canetada uma outra, por obra e graça de tal Visconde. Procurou os políticos de Pernambuco e, diante de uma módica doação de um terço das terras do Estado para ele, vendeu-lhes a possibilidade da criação de uma Faculdade de Direito no Estado. E ele queria, pessoalmente, escolher a cidade: teria que ser Olinda. Os políticos de lá, apesar de não entenderem direito o que estava acontecendo, aceitaram a idéia no ato. Afinal, a terra que seria "doada" não era deles mesmo ! Haviam apenas se apropriado delas, ficando tidos como donos. E ainda nem havia um movimento de sem-terras. Então, dar algo obtido de graça era uma ótima transação. Inclusive porque, com isso, ganhariam as próximas eleições. Imagine: assim, do nada, surgir uma Faculdade de Direito, em Olinda ? Certo é que teriam que explicar qual seria a utilidade prática de se estudar Direito ali. Algo assim, como comprar, numa promoção, um sapato dois números maior, apenas porque é mais barato.
Dessa situação, criou-se também a tradição política de formar um balcão de negócios com as situações criadas no poder (e no foder): vende-se o apoio, vende-se a oposição, vende-se a desistência da oposição, vende-se a desistência do apoio, vende-se uma segunda interpretação de uma lei, vende-se uma distorção da lei e etc. Tornou-se uma prática tão contumaz que, posteriormente evoluiu para apenas "vende-se". O agente da passiva se negocia depois. O que importa é ser eleito pela sagrada vontade do povo e revestir-se do direito de ser "vendedor de benefícios" e criador-de-dificuldades-para-vender-as-soluções".
Havia já o Carnaval. Nesse período todo o povo não pensa em outra coisa. Época excelente para editar, em plena terça-feira, uma leizinha, que ninguém vai notar. Isso também virou hábito parlamentar: enquanto o povo se esfalfa na folia, futebol e feriado, eles aprovam leis se auto-locupletando.
Quando chegou o Carnaval, de madrugada, ele escreveu do jeito que havia vendido a lei e divulgou, em nome do Imperador (que tinha ido passar o feriado prolongado em Búzios, fantasiado de pau-brasil):
Lei de XI de Agôsto de 1827:
Dom Pedro I, por graça de Deos e Unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional do Brasil.
Fazemos saber a todos os nossos subditos que a Assembleia Geral decretou a lei seguinte:
Art. 1º - Crear-se-hão dous curso de Sciencias Juridicas e Sociaes, hum na cidade de São Paulo e outro na de Olinda.....
Com isso, apesar das trapalhadas, das safadezas e sacanagens políticas (não as de Dom Pedro e Domitila) ficava criada a Gulosa Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Era conhecida assim pelos íntimos. Para todo o mundo, era a Gloriosa. Ela, a única Academia criada pela manifestação de vontade do nosso Magnânimo Imperador. Vontade essa manifestada duramente por ele, cujo teor saiu de sua boca Imperial, estimuladas pela língua da Domitila.
Você, atento leitor desses relatos, há de ter-se feito uma pergunta, sagaz e inteligente que é: trinta e três, um para cada dia do mês ?! Sim. Domitila sabia que a Prudência é a mãe da Sabedoria. Dá de um afrouxar, faltar ou qualquer intercorrência ! Por isso, dois reservas.
Seriam esses trinta e três valentes que fariam leis, defenderiam idéias novas, seriam escritores, poetas, presidentes, enfim, seriam a liderança e a inteligência brasileira: fariam a História do Brasil. Não sem antes fazer as delícias da Maria Domitila. Quanto ao Roy, seria um dos primeiros trinta e três. Estava ali como fiel escudeiro da patroa, pois que já sabia fazer direito. Iria organizar a coisa. Mas essa já é outra estória.

Roy Babbosa - psicografado digitalmente

XI de agosto, CLXXVII

Um comentário:

Camila disse...

E o Tal do Roy ???
fiquei curiosa
gostei do texto!