terça-feira, março 30, 2010

Em mãos erradas



 O saudosismo nas Arcadas não tem lugar, a não ser para exercitar algo inexistente em nossa tão sofrida e sofrível população brasileira: a memória. Não é como o dito popular, que diz que "é errando que se aprende". Na realidade, é o lembrarmos do erro em momento futuro que, talvez, impeça-nos de errar de novo. E tem-se História e Tradição que sobra, para demonstrar isso. Basta que a conheçamos, que a relembremos, em exercício.  Por isso, não custa aqui rememorar algumas passagens presentes, nada diferentes, na essência, dos eventos passados.

Ocorreria a festa de formatura, tão maravilhosa e tão triste. Cisma então a OAB de marcar o seu exame para a véspera. Pode isso? Não. Claro que não. Franciscano vive para comemorar, buscando diturnamente motivos para isso. A formatura é uma delas. Como então resolver tal impasse? Simples. Coube a resolução da árdua tarefa de preservar a mais pura tradição franciscana ao eternamente lembrado, prof. Goffredo da Silva Teles. Em seus garranchos pessoais, nada de computador, digitado, nada. Uma cartinha de próprio punho do professor e estava então resolvida a questão: mudar-se-ia a data da... prova da OAB. Isso é o que se pode chamar de o mais autêntico espírito franciscano. Claro que a OAB não pode querer cometer o despropósito de eventualmente estragar uma festa franciscana. Eles que arrumem outra data. Assim resolvemos as coisas. Afinal, o resto do mundo tem espaço de sobra prá se acomodar às coisas resolvidas nessas Arcadas. Cabe lembrar que, noutro ano, a tal prova coincidiu com a véspera da formatura do povo de Perdizes. Claro que eles então tiveram que remarcar a data da formatura. Comemorar o quê, pelo amor de Deus?  

Já nos dias de hoje recebemos passivamente a visita de um fiscalzinho qualquer a anunciar o fechamento do Porão. O Porão nunca foi fechado por ninguém, exceto pelos alunos. Nem mesmo um ditadorzinho que atendia por Getúlio Vargas conseguiu isso. Nem mesmo com seus vetustos argumentos de subversão, sendo o Porão um antro de alunos subversivos, orgulhosamente. Não obtendo sucesso no tal fechamento, criou uma universidade, para, com tal desculpa, deslocar as Arcadas para aquele ermo. Eles foram para lá, ele se foi, covardemente, como era de se esperar. As Arcadas permanecem no Largo, com o seu nosso Porão devidamente aberto. A despeito da subserviência de alguns, que absurdamente acham que se devem curvar aos argumentos do fiscal. Argumentam: quem o XI pensa que é?  Eu respondo por ele. A salinha do XI, em nosso indefectível Porão, albergou as reuniões daqueles então subvertidos que instituiriam a República nesse Brasil. E isso regado à muito álcool, muitos cigarros madrugada afora. Dizem até que regado também a muito ópio. Afirmação essa que refuto de pronto. Uma calúnia para com os nossos colegas da época. E foi nessa mesma salinha, com telefone ligado diretamente com a sala do Presidente da República, que se criou o Supremo Tribunal Federal. E não foi à toa que composto por XI membros. Todos franciscanos, claro. Criado inclusive com o solene compromisso de que sempre haveria nele, ao menos um egresso dessas Arcadas. Se de lá emanam Habeas Corpus  para livrar os daniel dantas da vida, que se emane então desse mesmo lá, uma contra-ordem ao fechamento do Porão. Simples assim.          

Sei que, um leitor mais mordaz, argumentaria pejorativamente que estou me remetendo a "tempos que não voltam mais". Não se aplica. São tempos que nunca se foram, para quem pensa assim. Muito embora reconheça que, nos tempos do agora, a grandeza das Arcadas mais se espelha numa boa agência de empregos, onde se é possível arranjar um bom estágio, num escritório renomado, antes mesmo do primeiro dia de aula. De calouro. Certo está que é uma grandeza também. Mas uma grandeza relativa à pequenez do nosso mundinho de lulismo e outros afins. A minha conversa é sobre a auto-estima franciscana, algo tão imenso quanto o Largo que nos rodeia e abriga.

Permitiram que se tirasse a sala da Academia de Letraz do Hall dos Calouros, onde sempre esteve, desde que a criaram, pelos idos de 1932. Por alunos medíocres e arredios, feito à Oswald de Andrade e outros mais. Mudança essa motivada pela nobreza do discurso politicamente correto de construir banheiro para deficientes. Não os há, nesse universo chamado Sanfran. Deficiente foi quem a tirou de lá. Banheiro ainda nunca utilizado. Jamais o será. Temos sim professor cego. Desde aluno, cego. Um dos primeiros em seu vestibular de ingresso nas Arcadas. E nunca precisou de banheiro para deficientes, rampa de acesso e outras hipocrisias mais. Não precisou de cotas para ser um dos melhores. Fez toda a sua brilhante carreira sem precisar dessas mesquinharias. Tinha e tem a grandeza do espírito franciscano. E muito nos orgulha, em absoluto, a possibilidade de falar dele, como um aluno exemplar. E que, por certo, jamais frequentará aquele banheiro, por recusar-se a viver das esmolas que virou moda oferecerem. Pode ser que alguém passe por lá, no melhor do animus jocandi, e faça uns versos no banheiro, mas com matéria prima local. Sob certo outro aspecto, penso estar reclamando demais sobre isso. Penso até que fizeram justiça: onde havia a ALz hoje há A LATRINA. Pensando dessa maneira, sinto-me homenageado, indiretamente.

Há os que se imobilizam diante da grandeza da tarefa. Há outros, que apenas se reposicionam para executá-la. Naquela perdida noite de uma Peruada Noturna até a Praça da República, certamente que muitos se intimidariam diante do peso de uma tonelada de granito que suportava a herma do Álvares de Azevedo/ Fagundes Varella. Mas a tarefa estava lançada: o poeta é nosso, a estátua é nossa, doada por um colega nosso. Logo, deve estar no Largo. Não nos é permitido, licitamente, isso? Ora, ora, ora. Levemo-la então. Não conta a lenda que a Montanha foi a Maomé? Então, se foi feito, ao menos uma vez, é possível de ser feito. O espírito fez o milagre. E a estátua está, orgulhosamente, postada onde sempre deveria estar: no Largo. Nosso ordenamento jurídico é imenso o bastante para conter ou comportar uma nova norma que legalize isso. Cada um cos seus pobrema. Resolvemos os nossos. Simples assim.

Essas e tantas outras coisas nos vem à mente, apenas por perambular por esses corredores e Pátio. Eventualmente, salas de aula. Por todo canto vemos escrito e inscrito alguns dos tantos incontáveis nomes que ali deveríamos ver e que falta espaço para homenagens. Lugar ímpar mesmo, essas Arcadas.  Nomes apostos de simples franciscanos que, a sua maneira, honraram seu berço, um Ninho de Águias. O nome ali aposto não o foi pelo tráfico de influência decorrente dos altos postos que galgou. Nem decorrente do dinheiro que eventualmente acumulou com isso. Uma singela e pura homenagem e reverência. Consenso entre colegas franciscanos, atuais alunos e professores. Certamente que vivemos em um submundo colonial, onde até nas lápides dos cemitérios notamos a ostentação e jactância de poder, ora repasto de vermes. As Arcadas sempre passaram ao largo desse mundanismo medíocre. Nunca tivemos salas à venda. E sempre um excesso de nomes para tão exíguo espaço. O que nem sempre foi um problema. O que se faz problema é vivermos uma época em que querem transformar as Arcadas num imenso Brasilzão, onde tudo está a venda, basta acertar o preço.       

Nosso Pátio sempre foi a imagem da pura liberdade. Eventualmente até da libertinagem. Sempre e todo sempre, aluno ou não, um local de livre expressão. Mas vivemos ventos de democracia e liberdade. Ou do espectro delas. E um professor é impedido, ou tentaram ao menos, impedir que livremente se manifestasse, num ato de autêntico autoritarismo e vilania. Não. Não pode. O Pátio foi cenário de incontáveis momentos que tantos nos orgulham. Sempre defendendo o sagrado direito da livre expresão de pensamentos. Por mais inusitados que fossem, não importa. Não pode, ou não poderia, ser maculado com uma estultície tamanha. 

Jesus Cristo afirmou que qualquer do mundo poderia fazer os milagres que fazia e ainda maiores. Bastava que tivesse o espírito. Tive e tenho a a graça de circular livremente por esse Jardim de Pedras, o nosso Pátio, nos mais diversos momentos, de alegria, de festa, de indignação por invasões alienígenas e também de puro extase, nas noites de Vigília, além do culto do ócio, da Amizade e da alegria. Sou absolutamente convencido que nesse Pátio habita o espírito franciscano, esse capaz de todas as coisas. Encontro isso, repassando folhas da vida de franciscano também, Bernardo Guimarães, pelos idos de 1847, apenas reafirmado tudo isso: "... e os estudantes formavam uma legião travessa a valer, divertida, que não temia ninguém. O Pátio e as Arcadas a sua casa". 

Nas Arcadas não cabe o saudosismo. Não vivemos de glórias passadas. Apenas que temos o recurso de voltarmos os olhos para a própria História, buscando inspiração e fundamento para darmos mais um passo, fazendo a História do Hoje. E, pela vivência do acumulado de atos, uns grotescos, outros absurdos, outros impensáveis, faz-se ver que precisamos mais uma vez buscar na essência do que é o espírito franciscano para enfrentar tudo isso. Só mesmo com a união de todos os alunos em torno exclusivamente desse espírito para vencermos mais uma vez os ataques de mediocridade e hipocrisia que assola um país inteiro, refletindo obviamente nas Arcadas. Nada extenuante como os trabalhos de Hércules, mas apenas estar atento ao que se passa nas Arcadas, impedindo o eterno assédio aos calouros dos comunistas traidores e mentirosos para ganhar o XI, repudiando atos secretos de diretores desvairados, chiliques autoritários de vice-diretores, cobrando providências sobre a Biblioteca e tudo o mais, tentando acordar o sonolento Resgate paras as realidades da vida. Isso tudo , claro,  fora do Porão, que será fechado por encomenda. Não se pode fumar ali, por causa da lei; não se pode beber ali, por causa da lei; não se pode conversar ali, pela censura imposta. Não podemos nem ao menos estar ali, posto que fechado. Graças ao bom Deus que o nosso vínculo é em espírito. E isso ainda não foi colocado em lei e ainda não tem multas pelo uso. Então, posso estar com você, em espírito.

                                                                                             

3 comentários:

Monja Copista disse...

Tristíssimo o que vem acontecendo. Felizmente minha cegueira me impede de ver tudo isso. Mas o que consigo enxergar já é o suficiente pra sentir a "heróica pancada". E olha que eu também jamais precisei de banheiro privativo. Aliás, o banheiro dos deficientes não demanda todo o espaço da Loucademia, não... Tudo conversa pra reitor dormir. Em berço esplêndido, claro.
Mas bem que podiam ter parado de fumar no Porão. Se querem morrer, porque não engolem a fumaça?

profeta disse...

A profecia está lançada!
Porão fechado por encomenda.
Vândalos derrubam porta do XI.

São Francisco, humildemente,
recorre ao papa para manter livre a sua irmandade.

Que este espírito inunde e ilumine a alma destes que insistem em carregar tão pesado fardo em tuas mãos!

Tá difícil!

Pedro Carone disse...

Parabéns, Luiz. Você é um orgulho pra comunidade franciscana.