domingo, abril 08, 2007

O gol de placa

Esclarecimentos prévios necessários: para participar do concurso de contos, o mote era: futebol e sexo, na paisagem do Rio de Janeiro. Não deu outra, deu essa: dar a “milésima”” na cidade maravilhosamente perdida, feito balas. La vai !

Se existe um visual belíssimo é o da chegada aérea ao Rio de Janeiro. Curiosamente, a cidade foi chamada de maravilhosa em uma visão de chegada marítima que mal se vê alguma coisa. Sendo portugueses, tudo bem. O Cristo, com seus braços abertos. Estaria ele sendo assaltado ? Não, não. Saúda a todos os que lá estão e os que, como eu, chegam. Penso que não só ele deve estar de braços abertos à minha chegada. Precisa ter mais alguém, totalmente aberta e receptiva. Não que eu seja um espião, terrorista, empresário ou coisa assim, mas tenho uma grande tarefa a cumprir nestas lindas plagas.
Nas minhas andanças por esse mundo afora, muita coisa a preencher as retinas, as lembranças, a mente e o coração. Muitas passagens e paradas, num afogadilho de leve, feito a um cartão-postal sentimental. Para embelezar ainda mais as paisagens maravilhosas que se têm no mundo, nada melhor do que com a pessoa humana.
Nessas alturas do campeonato, a estória dos meus vai-e-vem, literalmente, chega ao cabalístico número de novecentas e noventa e nove. Como todas as grandes conquistas geralmente são de pequenas coisas, o mimo especial. Nada como sacramentar o jogo sexual com um milésimo gol em plena Rio de Janeiro, cidade do Maracanã, de muita partida memorável e gols belíssimos.
Tal dito, vê-se que não pode ser uma pelada qualquer, do tipo vira três, acaba seis. Ou ainda do tipo: três, vira, três; cigarro e whisky. Esse gol merece ser especial. Nada de pênalti. Não que todos os jogos tenham sido vencidos. Algumas derrotas fragorosas, acabando inclusive com a velha desculpa de que isso nunca havia acontecido comigo antes. Muitas vitórias e grandes goleadas também, com a graça de Deus. Embora toda essa estória não me tire a humildade: reconheço os gols impedidos; os feitos com a mão, estilo Maradona, talvez num afogadilho de um metrô lotado ou uma viagem de ônibus prá Cuiabá, onde a partida toda e seu gol foram resolvidos na ponta dos dedos, reciprocamente. Pênaltis perdidos, feito o Zico. Embaixadinhas aconteceram na Câmara de Comércio Exterior, mas com toda a diplomacia. Fora esses, a maioria, feitos na raça mesmo, quando tudo já se considerava perdido e o Sol querendo aparecer, para dar o seu apito final, num jogo sem gol. Gols na prorrogação, tipo morte súbita. Enfim, cada jogo uma história, cada gol um prazer.
Você está me acompanhando, né ?
A comissária de vôo me tira de meus devaneios, avisando que chegamos e dá as boas-vindas. Numa rápida avaliação, sinto saudades das aeromoças de antigamente. Essa não dá jogo.
Pronto, entramos em campo. “Estamos bem preparados, com uma equipe treinada e bem entrosada”. “Temos que dar tudo de si”. “A torcida é grande, maravilhosa e merece um grande espetáculo”. “Esperamos fazer uma boa partida e conseguir um excelente resultado. Afinal, clássico é clássico e vice-e-versa”. Bem se vê que em futebol e em sexo nem sempre se usa uma boa língua. Isso seria eu dando entrevistas, com respostas-padrão a perguntas cretinas. Vamos fazer esse milésimo gol, que goleador é prá isso mesmo. Chega de firulas e quiprocós. Aos finalmentes, que não tô aqui prá brincadeiras.
Do aeroporto ao hotel e daí direto prá praia. Nada como uma boa caminhada pela orla, prá relaxar. Não há alguém mais disponível que andarilhas e corredoras de plantão. Estão ali para o que der e vier e, principalmente, para o que vier e der. Assim como eu, haveria outras. Com um olho na pista e outro nas brancas areias. Anda que anda, com inspiração visual suficiente para centenas de garotas de ipanema, voley e tantas outras peladas.
Ei-la ! A presa, a vítima, a felizarda, a escolhida, sei lá. É ela, é ela!, diria Álvares de Azevedo que, no caso, não sou eu. Bendita malhação ! Sob o Sol que Deus mandava, a garota se esmerando nos alongamentos e relaxamentos. Após algumas gracinhas de praxe, fico sabendo ser ela atleta e que irá competir em jogos internacionais. A modalidade não poderia ser mais convidativa e sugestiva: salto com vara. Perfeito ! Digo ser turista, ao que ela assente como óbvio: meu amarelo-escritório. Diz que treina no Maracanã, todas as manhãs. Convido-a a me convidar para conhecer aquele, o maior estádio do mundo. Diante dessa insistência de um único convite, ela aceita. Ó o gol se delineando aqui. Lá vamos nós ! ‘Tamos no caminho certo.
Entramos no estádio, com ela se sentindo em casa, conhecida. A todos um sorriso, um cumprimento, uma palavra gentil. Na pista de atletismo, os preparativos para o seu treino. Faço eu as vezes de seu personal trainner, e assisto-a saltar. Uma verdadeira campeã ! Finalmente, em direção ao vestiário, passamos por uma escada, com um aviso: proibido trepar aqui. Epa ! Placa colocada devido aos muitos e muitos acidentes que ocorrem por esses estádios do mundo todo, com a torcida passando de um lugar ao outro. Aqui, não ocorreriam. Havia a placa, alertando sobre isso. Ao que parece, não se dirigia a mim, ao meu caso.
E foi ali mesmo, sob a sombra daquele aviso intimidador, tornado inoperante, que entramos em campo, uniforme impecável, nuinhos em pelo. E, mesmo sem o apito do árbitro, mas no calor dos hormônios, inicia-se a pelada, a partida, a milésima ! Dribladas todas as resistências, invadindo uma fraca defesa, avançando pela direita, pela esquerda, pelo centro, lençóis, elásticos, pedaladas e um chute certeiro: bolas no meio das pernas ! E foi só correr pro abraço: Brasil, sil, sil, sil ! De longe, até o Cristo se comove e sai de sua posição de sempre: aplaude. “Ê, leleô, leleô, leleô ! É mil !”. Sabe-se lá a emoção de ser aplaudido e comemorado pelo próprio Cristo Redentor, meu ? Tem gente que não gosta dele, mas que é famoso, la isso é ! Nem tanto quanto o John Lennon, mas é. Mas isso também já deu polêmica adoidado. Mas não vem ao caso e não é da história. Furtivamente, uma comovida lágrima me percorre as faces suadas. Desculpe, essa frase me saiu de um “copiar-colar” de uma outra estória mais brega. Não cabe aqui, não ! A exaustão não me permite a correção, porém. Deixa ela aí que ‘tá de bom tamanho.

Foi assim, o milésimo gol, a milésima. Um legítimo e merecido gol de placa ! Andrada o sobrenome dela, mas não uruguaia, goleiro da Copa de 50, traidor. Soou-me a elogio, que nem sou Pelé, nem nada, mas que ele milesimou em cima de um Andrada. Eu também, literalmente, em cima. “Foi realmente um grande jogo, com o adversário na mesma altura, já que estávamos na horizontal. Tive a felicidade, num lance individual, de enfiar a bola por baixo, sem defesa. E, nesse momento solene quero lembrar das criancinhas abandonadas. Se cuidarmos delas, não teremos tantos marginais no futuro”. Não me ouviram, quem tinha que ouvir. Nem ao Pelé também. Agora temos todos eles, nesse governo aí. Tudo bandido. Qué que isso, minha gente ! Pronto, essa frase também surge solta, componente de outra estória quem nem vem ao caso. Mas que são bandidos, ah !, isso são. Que fique, então.
Esse foi um conto, cujo conteúdo principal, para a premiação, deveria conter “futebol e sexo, na paisagem carioca”. Atendido. A omissão de detalhes brilhantes, lambuzados, suados, escorregadios e lubrificantes, embora óbvia foi proposital. Tal evento será lançado mundialmente em dvd, com os ensaios, as cenas erradas, as descartadas, inclusive cenas não descritas, mantendo o devido suspense. Como extra, um compacto, apenas com as cenas mais interessantes. Haverá, como encarte, um “Manual de como Obter a Mesma Marca”, ilustrado até. Nele, em orientações masculinas, explico como. Nas femininas, explico: como. Depois, o empresário garante uma turnê mundial, com palestras nas melhores Universidades e bordéis do mundo todo, incluindo work-shops. Menos na Dinamarca, porque me disseram que lá a molecada atinge essa marca no jardim-da-infância. Sei lá! Mas, fica aqui avisado: menos na Dinamarca. Depois, vai ter até entrevista na Hebe Camargo e estudos estão sendo feitos, pra passar no horário nobre, que crianças não assistem. Cenas para a próxima novela educativa da Globo. A minha contribuição à cultura brasileira. Esses escritos, um script apenas. Veja em cores. Em breve, nas bancas: O gol de placa. Não perca !

Zaga Gol’Arte

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