Caro Mark Manson:
Como brasileiro, agradeço a sua
carta e o seu interesse pelo meu País. Ela é coberta de verdades. Que porém não
chegam ao âmago da questão. Todo brasileiro médio já escreveu a sua “Carta aos
brasileiros”. Inclusive eu. E nenhuma delas fez coisa nenhuma, porque indicam o
caminho, mas não chegam ao ponto final necessário para que aquelas verdades
possam serem trazidas ao mundo da realidade e produzam resultados práticos e
efetivos.
Motivado pela sua carta, que a
tomo como minha e também pela minha brasilidade de dezesseis gerações e
interesse pelo Brasil, vou completá-la, com o que deve ser feito. Ou seja, esta
não é uma “resposta” a sua, mas o complemento final.
Começando pelo final, hoje somos
como que duzentos milhões de peixes tentando sobreviver em um Rio Tietê. Caso
ajamos como o que você sugere, morreríamos rapidamente como perfeitos e
civilizados cavalheiros e a expectativa de vida dos brasileiros talvez
alcançasse, como a peixes sem oxigênio, alguns minutos. Esse é o nosso
presente. E essa condição explica tudo, embora não a justifique. O brasileiro
usa o “jeitinho” para sobreviver. Quem está lutando pela vida, literalmente,
não pode pensar no outro e muito menos no “coletivo”. Animais matam as crias,
ao sentir que não lhes há condições de sobrevivência. O ser humano nada mais é
do que um animal. E o brasileiro é um animal enjaulado em sua insignificância social.
E o jeitinho é a mísera molécula de oxigênio naquele Rio a que todos estamos
submersos e submetidos.
E você acerta quando diz que só
com o fim do jeitinho é que poderemos nos tornar uma coletividade, um País.
Porém, se o seu uso fosse proibido por decreto, cada brasileiro não
sobreviveria por alguns minutos, como os citados peixes dentro do Tietê. O que
precisa é acabar com o que gera o jeitinho. Mais uma vez, começando pelo final,
afirmo: apenas uma revolução total em costumes, leis e instituições fará com
que esse conglomerado de duzentos milhões de pessoas possa não precisar dele,
podendo assim se interessar em construir uma coletividade chamada Brasil. O
sistema muda pessoas, mas não o próprio sistema, que se auto-protege e
perpetua. Não são as pessoas que são corruptas. O Estado é corruptor em suas
fundações e leis. Caso Deus fosse eleito Presidente, renunciaria em alguns
dias, pressupondo-se que Ele seja alguém de boa-vontade.
Eu conto sobre a origem histórica
do jeitinho:
Durante trezentos anos, o Brasil
foi uma terra-de-ninguém. As leis e normas de convivência eram as de Portugal e
inaplicáveis aqui, inicialmente pela extensão territorial. Algumas pouquíssimas
coisas eram regidas pelas leis canônicas da Igreja, segundo os seus próprios sagrados
interesses. Era mesmo um “cada um por si”. “Vou a um lugar, cerco um terreno e
extraio dele o que tiver para ser extraído. Se acabar, vou para outro lugar”. O
escambo era a moeda circulante, na prática. E o diferencial era o “levar
vantagem em, mesmo que honestamente”.
E esse contexto foi
institucionalizado com a chegada de Dom João VI ao Brasil, em 1808. Ele chegou
com um componente “novo”: o dinheiro, moeda corrente. E chegou também com
outras novidades.
Imagine você, senhor Mark Manson,
sendo visitado em sua casa pelo mensageiro da Família Real, com a seguinte
mensagem: “a partir de amanhã, a sua casa e todos os seus pertences serão
utilizados para acomodar a corte imperial. Ponto” E você teria até a meia-noite
para desocupar a sua casa. Para onde você poderia ir? O problema é só seu,
senhor Mark.
Por uma questão de sobrevivência,
o brasileiro captou rapidamente o sistema real português. Os fidalgos tinham
diariamente o “beija-mão” do Rei, quando pediam favores reais. O brasileiro
passou a prestar favores a esses
fidalgos, em troca de pedir um lugar pra morar, um terreno para viver e tudo o mais. Tudo. Estava então instituído oficialmente a figura
do “puxa-sacas”. Os “favores” aos
fidalgos geralmente eram constituídos pela concessão temporária e intempestiva
de suas esposas e filhas, com suas graciosidades tão irreverentes e à mostra. Assim,
senhor Mark, o senhor conseguiria outro lugar para viver.
Dada à efetividade do beija-mão,
não custa prestar outros favores e obter outros favores. E você ganharia
escravos. Um casal de escravos. Sem a mínima serventia, para quem não tem o que
comer. A escrava então era mandada para
a rua para alugar suas graciosidades, em troca daquela coisa nova, a moeda. Para
você Mark, já era bom. Ao menos não eram suas filhas. E o escravo iria para a
rua também, para pequenos serviços, em troca daquela mesma coisa esquisita, que
podia comprar tudo e dispensava o escambo: a moeda. Caso não encontrasse algum
pequeno trabalho para ganhá-las, simplesmente as subtraia de quem tivesse,
geralmente os portugueses. Nascia assim a prostituta e o punguista, o malandro
brasileiro. E tudo o mais da vida brasileira foi construída como fruto do “beija-mão”.
“Tudo” não é exagero, você diria. Não. Tudo mesmo.
Além dos miseráveis, havia os
brasileiros da nata, geralmente latifundiários e etc. Nada de comércio,
indústria, nada Um feudo com todo o sistema feudal da alta Idade Média vigente em
1800, Era da Revolução Industrial nascente. O “beija-mão” é um preito de
vassalagem. Um rei nunca é corrupto. Todo o dinheiro é dele. Um rei não tem
sede de poder. Dele emana todo o Poder. Para
os “bem-nascidos” de então, não bastavam pequenos favores. Quando o Rei foi
embora, criaram um sistema político que convergisse a uns poucos,
perpetuamente. Com o espírito do “beija-mão” criaram o Congresso Nacional,
verdadeiro balcão de negócios. E eternizaram nas várias Constituições. “Não sou
eu, é a Lei quem manda”. É bonito,não? E imoral. E é isso que foi instituído e
vige até os dias presentes, brilhantemente aperfeiçoado. Porém velado.
O que difere do nosso momento
atual é que não é mais velado. Apenas exemplificando: o amaldiçoado plug
elétrico de três pinos. Não existe no mundo inteiro. É condenado por toda a
Engenharia brasileira, por ser ridículo. Mas o Presidente proibiu a venda do
anterior, instituiu e tornou obrigatório esse. Fundamento: para agradar um
amigo que conseguiu a ele mais um título de Doutor Honoris Causa. Um Rei não
precisa de dinheiro e nem de Poder. Mas um Presidente analfabeto gostou muito de
ser transformado instantaneamente em Doutor. Beija-mão, pura e simplesmente. A Presidente proibiu por decreto que caminhões bloqueiem as estradas para protestar contra ela. Mas se for de apoio, então pode. Na Inglaterra os reis também faziam isso. Até que o povo deu um basta ao Rei. Em 1215. É, não há confusão na data não.
E então, mister Mark, volto ao
final antecipado. Não adianta ao brasileiro “ser consciente” na hora de votar.
Não adianta “começar por mim”, uma mudança, porque ela não ocorrerá. Para o
Brasil e o Brasileiro há apenas uma única condição que será eficaz e poderá
transformar esse aglomerado de gente em um País dignamente chamado de
coletividade: quando ele depositar o seu jeitinho em troca de uma AR-15 e
deponha à força das armas todas essas “pessoas”, em qualquer tempo, de um poder imutável e distorcido e então o
modifique, com os valores que você mencionou. O jeitinho não se substitui pela
força, dada a sua essência: “finja me enganar que eu finjo que me engano”. Mas
apenas a força das armas pode depor esse Poder Real depositado nas mãos de
humanos. E então elaborar um sistema feito por e para simples mortais, nós
brasileiros.
Só assim, poderemos redigir uma
constituição com alguns poucos artigos que dispensem o uso do jeitinho para uma
vida digna de todos, indistintamente. Talvez um único: todos os cidadãos são
iguais perante o Estado e tem todo o direito que não avance o alheio. E que
passe a viger a partir de agora mesmo. Eu a tenho redigida, em meus arquivos. Caso
tenha interesse, posso enviá-la como anexo.
Mais uma vez, obrigado pela sua
carta e seu desprendido interesse pelo meu Brasil.
Um abraço
Em tempo: sei ser o senhor um
empresário muito bem-sucedido. Caso tenha alguma vaga disponível, poderia
entrevistar um cunhado meu, bastante competente?
É apenas uma brincadeira. A Carta
de Pero Vaz de Caminha, anunciando ao Rei de Portugal o “descobrimento” do
Brasil, após incontáveis bajulações, ele encerra com esse pedido. Data da
carta: 1500. Entendeu agora?
Um comentário:
Sad but true
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