domingo, fevereiro 14, 2016

Carta ao Brasil:uma continuação necessária

Caro Mark Manson:
Como brasileiro, agradeço a sua carta e o seu interesse pelo meu País. Ela é coberta de verdades. Que porém não chegam ao âmago da questão. Todo brasileiro médio já escreveu a sua “Carta aos brasileiros”. Inclusive eu. E nenhuma delas fez coisa nenhuma, porque indicam o caminho, mas não chegam ao ponto final necessário para que aquelas verdades possam serem trazidas ao mundo da realidade e produzam resultados práticos e efetivos.
Motivado pela sua carta, que a tomo como minha e também pela minha brasilidade de dezesseis gerações e interesse pelo Brasil, vou completá-la, com o que deve ser feito. Ou seja, esta não é uma “resposta” a sua, mas o complemento final.
Começando pelo final, hoje somos como que duzentos milhões de peixes tentando sobreviver em um Rio Tietê. Caso ajamos como o que você sugere, morreríamos rapidamente como perfeitos e civilizados cavalheiros e a expectativa de vida dos brasileiros talvez alcançasse, como a peixes sem oxigênio, alguns minutos. Esse é o nosso presente. E essa condição explica tudo, embora não a justifique. O brasileiro usa o “jeitinho” para sobreviver. Quem está lutando pela vida, literalmente, não pode pensar no outro e muito menos no “coletivo”. Animais matam as crias, ao sentir que não lhes há condições de sobrevivência. O ser humano nada mais é do que um animal. E o brasileiro é um animal enjaulado em sua insignificância social. E o jeitinho é a mísera molécula de oxigênio naquele Rio a que todos estamos submersos e submetidos.
E você acerta quando diz que só com o fim do jeitinho é que poderemos nos tornar uma coletividade, um País. Porém, se o seu uso fosse proibido por decreto, cada brasileiro não sobreviveria por alguns minutos, como os citados peixes dentro do Tietê. O que precisa é acabar com o que gera o jeitinho. Mais uma vez, começando pelo final, afirmo: apenas uma revolução total em costumes, leis e instituições fará com que esse conglomerado de duzentos milhões de pessoas possa não precisar dele, podendo assim se interessar em construir uma coletividade chamada Brasil. O sistema muda pessoas, mas não o próprio sistema, que se auto-protege e perpetua. Não são as pessoas que são corruptas. O Estado é corruptor em suas fundações e leis. Caso Deus fosse eleito Presidente, renunciaria em alguns dias, pressupondo-se que Ele seja alguém de boa-vontade.    
Eu conto sobre a origem histórica do jeitinho:
Durante trezentos anos, o Brasil foi uma terra-de-ninguém. As leis e normas de convivência eram as de Portugal e inaplicáveis aqui, inicialmente pela extensão territorial. Algumas pouquíssimas coisas eram regidas pelas leis canônicas da Igreja, segundo os seus próprios sagrados interesses. Era mesmo um “cada um por si”. “Vou a um lugar, cerco um terreno e extraio dele o que tiver para ser extraído. Se acabar, vou para outro lugar”. O escambo era a moeda circulante, na prática. E o diferencial era o “levar vantagem em, mesmo que honestamente”.
E esse contexto foi institucionalizado com a chegada de Dom João VI ao Brasil, em 1808. Ele chegou com um componente “novo”: o dinheiro, moeda corrente. E chegou também com outras novidades.
Imagine você, senhor Mark Manson, sendo visitado em sua casa pelo mensageiro da Família Real, com a seguinte mensagem: “a partir de amanhã, a sua casa e todos os seus pertences serão utilizados para acomodar a corte imperial. Ponto” E você teria até a meia-noite para desocupar a sua casa. Para onde você poderia ir? O problema é só seu, senhor Mark.
Por uma questão de sobrevivência, o brasileiro captou rapidamente o sistema real português. Os fidalgos tinham diariamente o “beija-mão” do Rei, quando pediam favores reais. O brasileiro passou a prestar favores  a esses fidalgos, em troca de pedir um lugar pra morar, um terreno  para viver e tudo o mais. Tudo.  Estava então instituído oficialmente a figura do “puxa-sacas”.  Os “favores” aos fidalgos geralmente eram constituídos pela concessão temporária e intempestiva de suas esposas e filhas, com suas graciosidades tão irreverentes e à mostra. Assim, senhor Mark, o senhor conseguiria outro lugar para viver.
Dada à efetividade do beija-mão, não custa prestar outros favores e obter outros favores. E você ganharia escravos. Um casal de escravos. Sem a mínima serventia, para quem não tem o que comer.  A escrava então era mandada para a rua para alugar suas graciosidades, em troca daquela coisa nova, a moeda. Para você Mark, já era bom. Ao menos não eram suas filhas. E o escravo iria para a rua também, para pequenos serviços, em troca daquela mesma coisa esquisita, que podia comprar tudo e dispensava o escambo: a moeda. Caso não encontrasse algum pequeno trabalho para ganhá-las, simplesmente as subtraia de quem tivesse, geralmente os portugueses. Nascia assim a prostituta e o punguista, o malandro brasileiro. E tudo o mais da vida brasileira foi construída como fruto do “beija-mão”. “Tudo” não é exagero, você diria. Não. Tudo mesmo.
Além dos miseráveis, havia os brasileiros da nata, geralmente latifundiários e etc. Nada de comércio, indústria, nada Um feudo com todo o sistema feudal da alta Idade Média vigente em 1800, Era da Revolução Industrial nascente. O “beija-mão” é um preito de vassalagem. Um rei nunca é corrupto. Todo o dinheiro é dele. Um rei não tem sede de poder. Dele emana todo o Poder.  Para os “bem-nascidos” de então, não bastavam pequenos favores. Quando o Rei foi embora, criaram um sistema político que convergisse a uns poucos, perpetuamente. Com o espírito do “beija-mão” criaram o Congresso Nacional, verdadeiro balcão de negócios. E eternizaram nas várias Constituições. “Não sou eu, é a Lei quem manda”. É bonito,não? E imoral. E é isso que foi instituído e vige até os dias presentes, brilhantemente aperfeiçoado. Porém velado.
O que difere do nosso momento atual é que não é mais velado. Apenas exemplificando: o amaldiçoado plug elétrico de três pinos. Não existe no mundo inteiro. É condenado por toda a Engenharia brasileira, por ser ridículo. Mas o Presidente proibiu a venda do anterior, instituiu e tornou obrigatório esse. Fundamento: para agradar um amigo que conseguiu a ele mais um título de Doutor Honoris Causa. Um Rei não precisa de dinheiro e nem de Poder. Mas um Presidente analfabeto gostou muito de ser transformado instantaneamente em Doutor. Beija-mão, pura e simplesmente. A Presidente proibiu por decreto que caminhões bloqueiem as estradas para protestar contra ela. Mas se for de apoio, então pode. Na Inglaterra os reis também faziam isso. Até que o povo deu um basta ao Rei. Em 1215. É, não há confusão na data não.  
E então, mister Mark, volto ao final antecipado. Não adianta ao brasileiro “ser consciente” na hora de votar. Não adianta “começar por mim”, uma mudança, porque ela não ocorrerá. Para o Brasil e o Brasileiro há apenas uma única condição que será eficaz e poderá transformar esse aglomerado de gente em um País dignamente chamado de coletividade: quando ele depositar o seu jeitinho em troca de uma AR-15 e deponha à força das armas todas essas “pessoas”, em qualquer tempo,  de um poder imutável e distorcido e então o modifique, com os valores que você mencionou. O jeitinho não se substitui pela força, dada a sua essência: “finja me enganar que eu finjo que me engano”. Mas apenas a força das armas pode depor esse Poder Real depositado nas mãos de humanos. E então elaborar um sistema feito por e para simples mortais, nós brasileiros.          
Só assim, poderemos redigir uma constituição com alguns poucos artigos que dispensem o uso do jeitinho para uma vida digna de todos, indistintamente. Talvez um único: todos os cidadãos são iguais perante o Estado e tem todo o direito que não avance o alheio. E que passe a viger a partir de agora mesmo. Eu a tenho redigida, em meus arquivos. Caso tenha interesse, posso enviá-la como anexo.   
Mais uma vez, obrigado pela sua carta e seu desprendido interesse pelo meu Brasil.
Um abraço

Em tempo: sei ser o senhor um empresário muito bem-sucedido. Caso tenha alguma vaga disponível, poderia entrevistar um cunhado meu, bastante competente?

É apenas uma brincadeira. A Carta de Pero Vaz de Caminha, anunciando ao Rei de Portugal o “descobrimento” do Brasil, após incontáveis bajulações, ele encerra com esse pedido. Data da carta: 1500. Entendeu agora? 

Um comentário:

Martim Gross disse...

Sad but true