sábado, outubro 11, 2008

Vagas lembranças da primeira Peruada. Oba!


Capítulo V - A primeira Peruada. Oba !

Para um leitor ocasional, alerta-se que esses psicografados escritos são originários de Roy Babbosa, calouro de 1828, o espírito franciscano, por isso onisciente e onipresente. Além do que está em dp de Romano, pois não consegue entender a complexidade do conceito da propriedade horizontal. Conta-nos a gloriosa história da Faculdade da História, como testemunha ocular. Não na forma de notícia de jornal, mas de modo apaixonado, em crônica. Cabe-me apenas e tão-somente transcrevê-lo. Ai vai.

O que agora interessa é a Peruada. Oba ! Que diáfana e sinistra origem teria essa festa, passeando-se pelas cercanias do Direito, metendo a boca em político safado e a boca no gargalo, prá variar ?

Assim foi a primeira Peruada. O mote desse relato: Vamos meter o Peru prá dentro das Arcadas !

Roy fez-se calouro por obra e graça de sua patroa, Domitila. Era feitor nas fazendas da moça, pau-prá-toda-obra. Feitor das escravas e da patroa. Substituía Dom Pedro , que só vinha pontuar a dondoca três vezes por ano, já que a ponte aérea ainda estava por existir. A carne é fraca. Por isso, assume Roy essa tarefa. Logo, Domitila conscientiza-se que Pedro é pouco. Por isso, faz o Imperador criar a Faculdade de Direito: XXXIII vagas ! Um calouro por dia. Três XI ordenados Entre eles, Roy, para coordenar os meninos.

Diariamente, após as aulas (é! A parte maçante da Academia), reuniam-se no centro do Pátio e cada qual recebia um número. O que saísse com o XI deveria comparecer e conhecer” (linguagem bíblica: franciscano também é cultura) a DoMETIla naquele dia. Seria excluído do sorteio. Ficaria até o mês seguinte na saudade. Nada de barangas. Não as havia. Àquele tempo, balada era tiroteio. Mulheres, só dos bandeirantes e outros temíveis desafetos. Melhor não. Mais vale um peru nervoso por um mês que perecer eunuco !

Portanto, o sorteado do dia era o felizardo! Lá se ia ele, rua da Freira abaixo. Nosso relator, Roy, retira-se e vai cuidar das escravas. Era duro com elas. Elas, muito abertas com ele. De suas andanças é que ficou conhecida a expressão atrás-da-moita. Muito ali se fez. Quem dava assistência técnica para toda essa maçaroca de tribulações era o médico Libero Badaró. Fazia o papel de porteiro de boate: trabalhava onde os outros se divertiam. Mas dava também lá as suas marteladas. Na Marquesa e nas escravas. Resumo: especialista em coito e pós-coito.

Assim se passavam os meses: estudava-se Direito e fazia-se sorteio. Vez por outra, uma Dança. Monótonas. Dançava-se mesmo. Nada de conversar lá fora, ver o Sol nascer, passear pelos campos de Piratininga, dar uns pegas, bimbas e quetais . Nada. Por isso, o tédio.

A grande diversão acadêmica se resumia na Visita Domitiliar. Lógico, fazia-se Poesia ali, recitavam-se grandes poetas, filosofava-se e se teorizava um Brasil melhor. Não, não havia comunistas ainda, com a graça de Deus. Mas só isso não acalma o peru. Por isso, ficou ela conhecida como “a Perua”. Um demônio a dita. Acabava com o pobre franciscano. O sorteado voltava que era um traste, feito a uma uva-passa, todo ralado ! Judiava mesmo, sem dó. Reza a lenda que Dom Pedro criou o Poder Morderador em homenagem a ela. Por isso, lá pelos idos de outubro, revezando-se ainda nos sorteios diários, resolveram os franciscanos fazer uma grande festa. Aproveitaram-se do animus jocandi, norma fundamental franciscana, recentemente inaugurada. Era essa a idéia: iriam fazer a visita à Domitila, todos juntos !

Na terceira semana de outubro prepararam-se todos os franciscanos, regados à “água- ardente” prá temperar o clima. Devidamente calibrados, alguém deu a idéia de dar feição de manifestação política à caminhada. Era preciso disfarçar um pouco a empreitada. Surgiram então frases como “Com a sua fé e as nossas fezes, vamos mudar São Paulo”, “Dom Pedro não vem a São Paulo, a gente mete o pau na Marquesa” e outras preciosidades. A frase principal, conhecida dos franciscanos e desconhecida da população era “Vou meter o meu peru prá dentro das Arcadas”. Todos sabiam que as Arcadas eram as Arcadas e pronto ! O que não sabiam é que essa era a jocosa intenção: após trinta e três, ficaria ela até com as pernas arcadas, semelhantemente àquelas do nosso Pátio!

Éramos uma são Paulo de XI mil habitantes, em 1828. Música, só canto gregoriana. Nada de DJ, Disco, Techno, Rock, Axé. Então, prá fazer barulho, como um último Recurso, alguém surgiu com instrumentos musicais e formou-se então a Bateria Agravo de Instrumento da São Francisco, BAISF para os íntimos. Tornou-se o Território Livre uma grande carraspana: franciscanos altamente entorpecidos, ao som do primeiro e então único hino , “Onze, Onze”. Há que se lembrar que não havia ainda a espécime “franciscana”. Um verdadeiro quartel, a Academia! Para despistar, nossos ancestrais resolveram fazer um percurso indireto, aproveitando o fato de que ao ébrio a linha reta é um enorme desafio, saíram por um tortuoso percurso prá percorrer o imenso “triângulo” que era São Paulo.

Lembram-se das filhas dos donos da cidade, as monótonas dançarinas ? No caminho, ao som “acústico” da BAISF, franciscanos traziam para o meio da festa aquelas donzelas e enchiam-lhes o caco com o mais batizado goró. Longe do pai, calibrada pela cachaça, as donzelas o que mais queriam era se desdonzelizar. E dá-lhe moita ! Hoje temos a mulher-melancia, mulher-trepadeira e etc. Naquele tempo, só mulher-capim mesmo. Ao aborcar uma provinciana, franciscano saía cantando “Primeira, Primeira, eu sou da Primeira !” Surge também o que hoje se transformou num jogo de cartas: o truco ! Era assim: chegando o franciscano à décima-primeira donzela pontuada, gritava XI ! Um fuzuê ! Todos o erguiam nos ombros, carregado triunfalmente, ao som do Onze, Onze ! , até que viesse o próximo. Assim por diante. Desde o incêndio de Roma, não havia balbúrdia semelhante ! Todos de fogo.

Chegaram à casa da Marquesa. Porém, àquela altura dos acontecimentos, não teriam condições de consumar o ato, ocorrendo assim apenas o crime tentado. No percurso e com as donzelas tinham deixado toda a sua energia e o máximo que conseguiam era ejacular pela boca, um vômito desmedido. Além do que, lembravam-se vagamente do que realmente tinham ido fazer ali. O que era mesmo ? Por isso, como vazia manifestação, xingaram um pouco o Imperador, só prá constar. Era um germe da esquerda festiva, que grita por gritar e nem ela mesma acredita. Continuaram até voltar ao Largo e às Arcadas, que é a única coisa que lembravam. Dai surge essa tradição de completa amnésia pós-Peruada. E surge também a primeira e tosca trova, curiosamente com o verbo no futuro, pois que passado não havia: Aqui será berço da História/do nosso Brasil, Pátria amada/A gente vem prás Arcadas/querendo fazer Peruada. Coisa de breaco, bem se vê.

Esse, mais um heróico ato franciscano. No dia seguinte, todos os jornais do mundo, o New York Times, a rede lobo, a internet , tudo, noticiavam: Franciscanos fazem a Peruada ! O diretor da Faculdade não queria permitir, mas os franciscanos dormiram, fizeram a primeira Vigília do Peru nas Arcadas, e saíram do mesmo jeito; o prefeito da cidade quis impedir mas não conseguiu já que só levávamos faixas e não outdoor; A Igreja falou que era o fim dos tempos; o presidente americano alertou sobre terroristas, esses franciscanos fundamentalistas; a polícia queria mandar a tropa de choque, mas foram desligados; argentinos, morrendo de inveja, quiseram fazer uma também e, em homenagem a outro animal, criaram a “Viadagem”; cariocas, por não terem outra motivação, promoveram um arrastão; astrofísicos documentaram o surgimento de uma nova estrela e a batizaram Sanfran; muçulmanos reivindicaram a primazia, dizendo ser a sua peregrinação à Meca mais antiga. Esqueceram-se de que a nossa meca é mais gostosa, onde canta o peru-sabiá; doutrinadores do Direito questionaram sobre se a Peruada era um ser, advindo do poder soberano inserido na norma fundamental franciscana; os alunos dos cursos de alfabetização jurídica espalhados por esse Brasil queriam dizer que tinham também participado; religiosos bíblicos confirmaram ter o Sol parado pela segunda vez, prá ver a banda passar; ufólogos viram discos voadores sobrevoando a cidade para assistir a parafernália; o presidente afirmou que essa era realmente uma campanha de fome zero: todo mundo comendo ! O próprio Deus, que todos sabem ser brasileiro e franciscano de carteirinha, abriu uma janela no Céu para apreciar o movimento. Lançou como benção um manto de Amizade e de Alegria sobre as Arcadas, a reinar entre franciscanos. Essa norma eventualmente não tem plena eficácia quando das eleições para o Centro Acadêmico, quando a chapa vencedora exclui o elemento XI. No Universo não ficou pedra sobre pedra !

Por recomendação do doutor-calouro, professor Libero Badaró, a nossa rica história precisa ser contada em doses homeopáticas. Por isso, Roy psicograficamente deixa aqui as suas impressões, como testemunha ocular, sobre o início da tradição dessa Academia de tradições, a Peruada. Não se contam aqui mais repercussões do evento, evitando que se possa pensar que houve qualquer exagero. Ele se desculpa ainda por não ter muito mais detalhes prá dar, tendo em vista a ocorrência de pt, por coma alcoólico, o que lhe resultou em certa confusão mental, alheamento e amnésia.

Roy Babbosa, o espírito franciscano, na única psicografia autorizada, realizada por
Luiz Gonzaga ________________________________ Arcadas, XI de outubro, CLXXXI

Nenhum comentário: